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25 | II Série A - Número: 130S1 | 7 de Setembro de 2007


Efectivamente, os direitos fundamentais são primordialmente direitos de indivíduos, de pessoas singulares.
As pessoas colectivas somente são titulares daqueles direitos fundamentais que sejam compatíveis com a sua natureza (artigo 12.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), o que coloca um problema de determinação que só casuisticamente pode ser resolvido. É certo que ser ou não compatível com a natureza das pessoas colectivas depende da própria natureza de cada um dos direitos fundamentais e que, em si mesmo, no conteúdo de protecção e poderes em que se analisa, as pessoas colectivas podem gozar do direito ao segredo bancário, como o direito ordinário torna evidente. Mas o que aqui se pondera é a cobertura do sigilo bancário pelo direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada. Ora, mesmo quando seja concebível a conexão de certo direito fundamental com a personalidade colectiva, daí não se segue que a sua aplicabilidade nesse domínio opere nos mesmos termos e com a mesma amplitude com que decorre relativamente às pessoas singulares (Cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, pag. 113).
Como o acórdão bem salienta, o que pode justificar que aspectos do «segredo do ter» da pessoa, patentes na conta e noutros dados da situação económica do titular em poder de uma instituição bancária, sejam assimilados ao «segredo do ser» protegido pela reserva da intimidade da vida privada é o que esses elementos podem revelar das escolhas ou contingências de vida do indivíduo, dos seus gostos e propensões, do seu perfil concreto enquanto ser humano, que cada um deve ser livre de resguardar do conhecimento e juízo moral de terceiros. Esta teleologia intrínseca surge eminentemente ligada à protecção da dignidade da pessoa humana, não sendo extensível a entes que apenas tem uma capacidade jurídica funcional, limitada pelo princípio da especialidade do fim que estatutariamente prosseguem, que não têm projecto de vida livremente determinado, pelo que o direito ao segredo bancário que contratual e legalmente se lhes reconheça não goza da protecção constitucional especificamente conferida pela inclusão do bem protegido pelo sigilo no âmbito do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição.
Aliás, não deve olvidar-se que a potenciação da capacidade de agir a coberto da personalidade colectiva é um dos mais poderosos factores de exponenciação do risco que o sigilo bancário comporta para outros interesses ou valores constitucionais, designadamente para aqueles que à administração fiscal compete prosseguir.
Todavia, a negação da fundamentalidade do direito quando esteja em causa a situação de pessoas colectivas (e entes equiparados) não obsta a que acompanhe a pronúncia pela inconstitucionalidade da solução normativa a que se refere a alínea b) da decisão, pelas mais razões que levam o acórdão a concluir que ela não garante um procedimento e um processo justos no que diz respeito às condições de derrogação do sigilo bancário.

Vítor Gomes.
Declaração de voto

Votando, embora, ambas as pronúncias do Tribunal, restam-me, porém, algumas dúvidas sobre a fundamentação da decisão construída em torno da violação do direito constitucional de reserva à intimidade da vida pessoal e familiar, consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
É que já defendemos que o sigilo bancário, consubstanciando, essencialmente e na sua matriz originária, um dever de sigilo profissional, não valia na direcção da administração fiscal (Benjamim Rodrigues, O sigilo bancário e o sigilo fiscal, op. cit.).
Mas desde a altura em que sustentámos essa posição — e já lá vai uma década — muita coisa mudou quer no domínio do risco objectivo de uma cada vez mais difícil gestão controlada da informação obtida, aqui incluída a informação bancária, quer no da possibilidade e facilidade de identificação, no seio da administração tributária e dos media, dos autores da violação do dever de sigilo fiscal, que nos infunde fundadas dúvidas sobre se, hoje, o sigilo bancário não deve ser entendido como integrando a reserva de privacidade económica, constitucionalmente tutelada.
Na verdade, os meios tecnológicos de que o homem, hoje, dispõe, associados à extensão dos dados que puderam passar a constar dos registos bancários por força do acesso directo e quase universal dos cidadãos ao sistema bancário e à possibilidade e facilidade da sua descodificação, permitem desnudar verdadeiramente o cidadão-contribuinte.
Os registos bancários permitem hoje, em relação aos utilizadores do sistema — e é preciso registar que são quase a totalidade dos cidadãos-contribuintes — identificar não só os movimentos de crédito, de débito e de financiamento, como a generalidade das pessoas com quem foram efectuadas essas operações, e até o tipo de bens a que elas respeitam, e, com eles, o estilo de vida pessoal que se tem.
Por seu lado, a facilidade de análise de todos esses dados quase permite afirmar que o tempo da obtenção da informação digital é quase coetâneo do tempo do acesso ao sistema e que aquela pode abranger o passado histórico quase com a mesma visibilidade do presente, por força da amplitude arquivística que o registo histórico pode abranger.