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II SÉRIE-A — NÚMERO 129

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Esta norma sucede a outras, abandonadas por revisões constitucionais sucessivas, que definiram a

impossibilidade de privatização de alguns setores e empresas nacionalizadas ou, posteriormente, da sua

privatização em mais de 49% do capital. Em 1990, quanto esta última condição ainda não tinha sido retirada

da Constituição, a Lei-Quadro das Privatizações (Lei n.º 11/90 de 5 de abril) estabeleceu as normas do

processo de privatizações de empresas nacionalizadas depois do 25 de abril de 1974. Na lei não se

estabelece nenhum regime de salvaguarda, que é determinado pela Constituição. Ficou assim unicamente o

imperativo constitucional que remete para a lei a definição dos bens que integram o domínio público do

Estado, bem como do seu regime e condições de utilização.

O presente projeto de lei respeita e concretiza essa norma constitucional, definindo como domínio público

do Estado, além dos já enunciados discriminadamente na Constituição (alíneas a), b), c), d), e e) do número 1

do artigo 84º da CRP), setores estratégicos que constituem monopólios naturais, nos termos da alínea f) do

mesmo número do mesmo artigo, e determinando que as empresas que exploram esses bens ou que

asseguram os serviços que deles dependem não podem ser privatizadas ou concessionadas.

Há duas razões fundamentais para a adoção desta definição, que já é estabelecida pela Constituição para

os casos da ferrovia ou das estradas, por exemplo, servindo essa concretização de modelo do critério que

deve ser aplicado na determinação de outros bens que incluam o domínio público do Estado.

Em primeiro lugar, os monopólios naturais que são propriedade pública propiciam lucros elevados que

constituem receitas orçamentais indispensáveis ao Estado. A abdicação dessas receitas tem como

contrapartida, a médio e mesmo por vezes a curto prazo, o aumento de impostos que penaliza os

contribuintes. É portanto duplamente desvantajosa a privatização de monopólios naturais, quer porque reduz

receitas públicas quer porque vem a reduzir o rendimento disponível das famílias por via do aumento dos

preços no acesso a serviços que deles decorrem.

Acresce ainda que a utilização dessas receitas sobre as obrigações de serviço público conduz a uma lógica

de investimento em infraestruturação que tem como critério o serviço aos consumidores, ao passo que a lógica

de recompensa dos acionistas privilegia os pagamentos de dividendos e não o investimento, criando riscos

acrescidos de qualidade para os consumidores. Além disso, dado que a condição de monopólio permite a

determinação dos preços, a salvaguarda do controlo público é a única garantia possível para assegurar o bem-

estar e a segurança dos consumidores.

Em segundo lugar, a privatização de monopólios naturais, ou a sua concessão, transfere a renda de

monopólio para um interesse privado, criando novas distorções de concorrência através de um instrumento de

valorização e acumulação de capital que é reservado a uma única empresa ou conjunto de interesses. Dado

que os monopólios naturais são, como definidos desde John Stuart Mill, os setores da economia em que os

custos de instalação ou as barreiras à entrada são demasiado elevados dados os custos de capital e onde se

garantem economias de escala que permitem que os custos marginais pelo acréscimo de cada consumidor

sejam muito reduzidos, não existe nem pode existir concorrência nestes setores. Assim acontece com as

redes de distribuição da energia elétrica de alta tensão, com os aeroportos ou com outros setores.

Para os economistas e políticos liberais, a privatização dos monopólios naturais é uma oportunidade. Milton

Friedman, um dos mais radicais dos liberais, argumentava que, entre três “perigos”, o do monopólio privado

sem regulação ou com regulação, ou o monopólio público, seria preferível a solução do monopólio privado

desregulado, porque todas as outras soluções seriam irreversíveis. A justificação liberal é a possibilidade de

acumulação, mesmo que contrariando as regras elementares de concorrência. O presente projeto de lei

contraria essa lógica e impõe-se contra ela, por razões de transparência económica como por razões de

proteção dos consumidores e contribuintes.

De facto, a experiência de privatização com regulação fracassou, como por exemplo no caso da

privatização da energia na Califórnia, que conduziu ao desinvestimento e fragilização da rede, com o

consequente colapso dos serviços. A regulação das “utilidades” públicas foi em geral insatisfatória e

ineficiente, porque submetida a regras de mercado que são contraditórias com os interesses dos contribuintes.

O mesmo aconteceu com os caminhos-de-ferro britânicos, com companhias de aviação, com aeroportos e

com utilidades que foram privatizadas ou concessionadas.

Em todo o caso, a privatização de empresas que gerem monopólios públicos é uma forma de criação ou

transferência de poder de monopólio, suscitando portanto ineficiência acrescida num contexto sem

concorrência. A privatização da concessão da exploração, do mesmo modo, transfere uma renda de