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II SÉRIE-A — NÚMERO 147

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É certo que no diploma não se enumeram ou concretizam as matérias que podem ser objeto de delegação

e as que ficam excluídas dessa possibilidade. De facto, o seu artigo 107.º estabelece que a “delegação de

competências” do Estado incide “em todos os domínios dos interesses próprios das populações das autarquias

locais e das entidades intermunicipais, em especial no âmbito das funções económicas e sociais”.

No entanto, o mesmo preceito ressalva a necessidade de respeito pela “intangibilidade das atribuições

estaduais” – dever que também resulta do artigo 102.º. Apesar da falta de densificação de quais serão estas

atribuições estatais intangíveis, esta formulação deve ser interpretada de modo a nelas se incluírem as

atribuições do Governo constitucionalmente estabelecidas e indelegáveis por força do artigo 111.º, n.º 2, da

CRP.

Desta forma, a garantia assinalada da «intangibilidade das atribuições estaduais» permite concluir que o

Governo não se encontra habilitado pelas normas em causa a delegar as suas atribuições constitucionalmente

estabelecidas.

43. Importa, porém, levar mais longe a análise da conformidade constitucional do regime de «delegação de

competências» do Estado nas autarquias locais previsto no NRJAL. Na verdade, e como já acima se deixou

salientado, para além da alteração da divisão constitucionalmente estabelecida de atribuições e tarefas

através de lei ordinária, o artigo 111.º, n.º 2, da CRP proíbe também a delegação de poderes (originariamente

estabelecidos na lei) que não seja habilitada por lei.

Torna-se, portanto, indispensável apreciar se o regime de delegação de competências do Estado nos

municípios previsto no NRJAL pode ser configurado como norma habilitante que cumpre os requisitos

impostos pela CRP.

44. Constitui princípio geral de direito público que os órgãos públicos, nomeadamente os administrativos,

não podem dispor livremente das suas competências: o quadro competencial tem que resultar de

enquadramento legal. E, sendo assim, necessário será também impedir a descaracterização da divisão

legalmente estabelecida de competências através de atos da função administrativa. Por isso, a delegação de

poderes legais só é constitucionalmente legítima se existir norma legal que a habilite. A Constituição

estabelece, neste domínio, uma reserva de lei, o que significa que apenas o legislador pode habilitar a

administração pública a proceder a delegações dos seus poderes.

Neste sentido, um ato de delegação de poderes por parte da administração sem habilitação legal efetiva,

ou para além dela, acarreta a violação do artigo 111.º, n.º 2, da Constituição. Com efeito, nesse caso, será a

administração a fixar livremente e em primeira linha o seu quadro de atuação quando a Constituição impõe

uma reserva de função legislativa, democraticamente legitimada. Abandonar a necessidade de lei habilitante

permitiria descaracterizar os poderes legalmente estabelecidos e o fim da subordinação da administração à

legalidade democrática.

45. O facto de a Constituição exigir lei habilitante para a delegação de poderes, por força do artigo 111.º,

n.º 2, da CRP – e para a atuação administrativa, no geral – deve ser visto não apenas como uma exigência

formal – de existência de lei prévia – mas também como uma exigência material. A norma legal que serve de

habilitação jurídico-normativa para a atuação da administração «deve possuir um grau de pormenorização

suficiente para permitir antecipar adequadamente a atuação administrativa em causa» (M. Rebelo de Sousa /

A. Salgado Matos, Direito Administrativo, T. I, p. 153; cfr. também B. Ayala, O (Défice de) Controlo Judicial da

Margem de Livre Decisão Administrativa, Lex, 1995, p. 178; Sérvulo Correia, Legalidade e autonomia

contratual nos contratos administrativos, Almedina, 2003, p. 53).

46. Assim, a norma legal habilitante da atuação administrativa tem de apresentar um mínimo de densidade,

i.e., tem de conter uma disciplina suficientemente precisa (densa, determinada), de forma a, no mínimo, poder

representar um critério legal orientador da atuação para a administração, permitindo o respetivo controlo por

juízos de legalidade e a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos. A falta de um critério legal efetivo,

garantindo a imparcialidade e evitando a arbitrariedade, priva a função administrativa de parâmetro de

atuação.