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II SÉRIE-A — NÚMERO 120 70

procedimento: por um lado, tendem a atrasar processos de transição social em crianças, adolescentes e/ou

adultas/os, e, por outro, tornam este procedimento dependente da avaliação de terceiros, o que tem vindo a criar

barreiras desnecessárias a um processo individual e consciente de mudança de sexo e de nome próprio no

registo civil, […] continuando a contribuir para a estigmatização e discriminação das pessoas transgénero, já

que não garantem a sua autodeterminação, retirando-lhes a capacidade e o direito de decisão».

Fundamenta-se também a iniciativa legislativa em apreço com as conclusões do estudo promovido pelo

ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, em parceria com a Associação ILGA Portugal e a LLH – The Norwegian

LGBT Association, financiado pelos EEA Grants e gerido pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de

Género (CIG), que se transcrevem nos seguintes termos:

«Depois da lei ter entrado em vigor, o Instituto dos Registos e do Notariado (IRN) publicou uma lista de

“clínicos habilitados a assinar relatórios”. Este procedimento, não previsto na lei, constitui uma barreira no acesso

ao reconhecimento legal da identidade, em particular para pessoas trans acompanhadas por profissionais de

saúde que não constam desta lista. Mais: para além de não incluir profissionais de saúde com competência e

experiência na área da transexualidade, a lista publicada pelo IRN inclui profissionais que já não exercem prática

clínica ou que nunca trabalharam de modo significativo com pessoas trans.

O requisito do diagnóstico de “perturbação de identidade de género” não permitiu uma separação entre as

esferas clínica e legal. Os resultados revelam uma diversidade de práticas clínicas, havendo profissionais de

saúde que disponibilizam o relatório para acesso à lei no momento em que o diagnóstico é feito. Contudo, há

profissionais que fazem depender o reconhecimento legal do género de critérios que se estendem para além do

diagnóstico: de uma segunda avaliação independente; do início e adaptação a tratamentos médicos (como as

terapias hormonais); ou do grau de “masculinização” ou “feminização”. Consequentemente, o tempo decorrente

até uma pessoa trans conseguir o relatório exigido pela lei é bastante variável – havendo casos de pessoas que

apenas conseguem o relatório ao fim de 3 anos de acompanhamento clínico.

Os resultados sugerem ainda outras barreiras e dificuldades no acesso ao reconhecimento legal da

identidade: menores de idade que, mesmo já vivendo socialmente de acordo com a sua identidade ou tendo

iniciado tratamentos hormonais, não podem ver legalmente reconhecida a sua identidade; residentes no

estrangeiro que enfrentam dificuldades nos postos consulares; e pessoas que adiam o início do processo por

impossibilidade de pagar o custo emolumentar de 200€.»

Por outro lado, é ainda invocada a Resolução 2048 do Conselho da Europa de 2015, em que se «apelou ao

fim da exigência de um diagnóstico de saúde mental enquanto procedimento legal necessário para o

reconhecimento jurídico da identidade de género».

O projeto de lei em análise pretende assim: (i) eliminar a obrigatoriedade da entrega do relatório que

comprove o diagnóstico de perturbação de identidade de género nas conservatórias do registo civil e atribuir a

legitimidade a menores, acompanhados pelos seus representantes legais ou pelo Ministério Público, para

requerer judicialmente a alteração do registo civil, que será decidida caso a caso; e (ii) propor ainda que, caso

a/o requerente tenha filhas/os, estes/as devam também atualizar os seus documentos pessoais de acordo com

as alterações efetuadas pelo progenitor, sejam maiores ou menores de idade.

Do ponto de vista sistemático, a iniciativa legislativa é estruturada em 16 artigos, que incidem,

designadamente: no objeto do diploma (artigo 1.º); na definição de identidade género (artigo 2.º); no âmbito de

aplicação (artigo 3.º); no regime de legitimidade e capacidade (artigo 4.º); regime do pedido, instrução e decisão

do processo (artigos 5.º e 6.º); no direito de recurso (artigo 7.º); no regime de retificação da informação de género

(artigo 9.º); no princípio da não discriminação (artigo 11.º); em alteração ao Regulamento Emolumentar dos

Registos e Notariado (artigo 12.º); norma revogatória (artigo 13.º); regulamentação (artigo 14.º); disposições

finais e transitórias e na entrada em vigor (artigos 15.º e 16.º).

PARTE I – B)

ENQUADRAMENTO CONSTITUCIONAL E LEGAL

A este propósito, importa desde logo mencionar que se encontra consagrada no n.º 2 do artigo 13.º da

Constituição da República Portuguesa, a garantia de que «ninguém pode ser privilegiado, beneficiado,