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II SÉRIE-A — NÚMERO 38

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Mortágua — José Manuel Pureza — Luís Monteiro — Moisés Ferreira — Ernesto Ferraz — Catarina Martins.

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PROJETO DE LEI N.º 1058/XIII/4.ª

PROCEDE À ALTERAÇÃO DOS CRIMES DE VIOLAÇÃO E COAÇÃO SEXUAL NO CÓDIGO PENAL,

EM RESPEITO PELA CONVENÇÃO DE ISTAMBUL (QUADRAGÉSIMA SÉTIMA ALTERAÇÃO AO

CÓDIGO PENAL)

Exposição de motivos

O crime de violação atinge, sobretudo, mulheres e crianças. Apesar da neutralidade prevista no tipo legal

de violação quanto ao género da vítima, este crime é, indubitavelmente, uma forma de violência de género, e

uma das mais invisíveis.

A violação configura um atentado aos direitos humanos das mulheres – não é por acaso que, segundo

dados dos Relatórios Anuais de Segurança Interna (RASI), nenhuma mulher foi detida por violação –, à sua

integridade física e emocional, à sua liberdade e autodeterminação sexual, sem esquecer que tantas das suas

vítimas são menores. No entanto, e face aos recentes sinais do seu impacto nas sociedades modernas,

sublinhe-se que a média europeia de condenações é de apenas 14%.

Apesar do facto de muitas lacunas se encontrarem nos sistemas de prevenção e nas visões sedimentadas

e estereotipadas de género, que continuam a alimentar-se da dicotomia entre “sexo forte” e “sexo fraco”, o

quadro legal vigente é também ineficiente, impondo-se, então, um sinal inequívoco da condenação deste crime

e dos restantes crimes sexuais.

Em Portugal, de acordo com os dados do RASI 2017, as participações do crime de violação aumentaram,

de 2016 para 2017, 21,8% e foram apresentadas 408 queixas às forças de segurança. A violência de género –

e lembremo-nos que o femícidio é o crime que mais mata em Portugal – é, portanto, algo a que urge dar uma

resposta cabal.

A esmagadora maioria de agressores enquadra-se em relações de proximidade familiar ou de

conhecimento, sendo por isso falsa a ideia de que o crime de violação é cometido por estranhos. Segundo a

fonte acima mencionada, 55% dos casos de violação são praticados por familiares ou conhecidos, sendo que,

no abuso sexual de criança, adolescente e menor dependente, há uma relação familiar ou de conhecimento

em pelo menos 72% dos casos.

Neste quadro, sublinha-se a débil neutralidade da nossa lei penal que interioriza a noção instalada de ser o

violador um estranho, que só assim é reconhecido pelo recurso da violência e da ameaça (cf. Clara

Sottomayor, “O conceito legal de violação: um contributo para a doutrina penalista”, Revista do Ministério

Público, 128, dezembro de 2011, p. 275). Acresce que o “ónus de resistência da vítima, como se a vítima, se

não defender o seu corpo e a sua autonomia com energia, agredindo o violador, merecesse ser violada ou a

sua liberdade sexual deixasse de ser tutelada pelo direito penal” (cf. Idem, pp. 274-275).

Assim, importa clarificar a lei, estipulando-se que é na inexistência de consentimento e não na existência

de violência que deve radicar a natureza do crime. Importa igualmente retirar o ónus que a lei e a sociedade

persistentemente impõem às vítimas. É, pois, de inteira justiça que se proceda também a uma alteração da

natureza destes crimes, passando de semipúblicos, para crimes públicos. Num juízo análogo ao que se levou

a cabo para a violência doméstica, temos de reforçar a ideia de que a violação e a coação sexual são

assuntos que não podem ficar por investigar.

Trinta anos depois do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que concluiu, a propósito da violação de

duas turistas, que as vítimas em muito contribuíram para a sua realização” porque se aventuraram na

«coutada do macho ibérico», a realidade mostra que a desculpabilização dos agressores por via da

responsabilização das vítimas se mantém atual na cultura judicial. Prova disso são as várias sentenças que

têm vindo a público e que continuam a sustentar a ideia das vítimas – na esmagadora maioria mulheres –