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17 DE DEZEMBRO DE 2020

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acordo UE-Mercosul, as multinacionais ganham sempre e os Estados ficam subordinados aos interesses de

grupos económicos.

Mais do que simples questões aduaneiras, o que está em jogo é a desregulamentação, a total liberalização

dos mercados, a abertura dos setores públicos ao privado, e o empobrecimento e precarização do trabalho

nos dois blocos. A desregulamentação e a chamada eliminação das restrições ao investimento vão trazer

enormes impactos sobre o ambiente e a segurança alimentar; sobre a liberdade e privacidade na internet;

sobre os serviços e bens públicos; sobre o setor financeiro; sobre o mercado de trabalho e, por último, sobre a

justiça e a democracia.

Outro dos grandes problemas deste processo de negociação do acordo UE-Mercosul prende-se

precisamente com a baixíssima transparência democrática e a quase inexistente discussão pública que lhe

tem sido devotada. Todo o processo de negociação deste acordo seguiu a mesma lógica de secretismo que

caracterizou tantos outros acordos de comércio livre, tendo sido conduzido sem uma consulta aos povos de

cada país sobre o mandato dos seus governos para uma negociação sobre um acordo que incide sobre

múltiplas áreas da sua vida. Ademais, ao arrepio da transparência democrática que se requer num processo

desta dimensão, a Comissão Europeia evitou disponibilizar o texto do acordo UE-Mercosul em negociação aos

deputados dos Estados-Membros da UE ou do público até ao último instante.

Ainda assim, pese embora o contexto excecional que hoje vivemos, a sociedade civil uniu-se nos últimos

meses com vista a demonstrar a sua rejeição a este tratado e aos preceitos que nele constam. Centenas de

organizações da sociedade civil vieram apelar à suspensão deste acordo. De igual modo, no dia 9 de

novembro de 2020 foi publicada uma carta de 192 economistas da Europa e de países do Mercosul apontando

que os modelos económicos utilizados no acordo são inadequados, tendo em conta os impactos nefastos nos

aspetos sociais e ambientais, inclusive colocando em causa o cumprimento dos objetivos do Acordo de Paris.

De acordo com uma pesquisa da SumOfUs, organização sem fins lucrativos, a maioria da população também

rejeita o acordo, com 3 em cada 4 cidadãos da UE a ser a favor da sua suspensão. E o próprio Parlamento

Europeu deixou bem explícito o seu posicionamento relativamente a esta matéria, tendo aprovado uma

emenda ao Relatório sobre a aplicação da política comercial comum de 2018, onde afirma que «não pode

ratificar o Acordo UE-Mercosul tal como está».

Lamentavelmente, o governo português tem-se mostrado muito empenhado em levar adiante as

negociações do acordo UE-Mercosul, precisamente numa altura em que Portugal tomará a presidência do

Conselho da UE no primeiro semestre de 2021. No entendimento do Bloco de Esquerda, o Governo, ao

deixar-se seduzir por promessas de crescimento de exportações e de comércio e minimização de custos para

as empresas, não tem acautelado os cidadãos portugueses dos riscos que estes acordos possam surtir em

termos de saúde, ambiente, segurança alimentar ou direitos laborais, bem como questões legais que

começam a ser levantadas por outros Estados-Membros.

O Bloco de Esquerda tem, em várias ocasiões, chamado à atenção para os perigos que a negociação e

possível ratificação destes acordos representam para o país e para a Europa. Não é aceitável que o acordo

UE-Mercosul estabeleça um modelo social e económico desigual e injusto, que salvaguarde os interesses das

multinacionais em detrimento das pessoas.

É, portanto, fundamental que a posição do governo português relativamente a este acordo seja repensada,

com vista a garantir que a sua negociação e discussão estejam de acordo com os princípios da legalidade, da

democracia, da transparência, da proteção dos cidadãos e da segurança ambiental e alimentar.

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de

Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao governo que rejeite o atual acordo

internacional de livre comércio UE-Mercosul, nos seus termos presentes, avançando para a discussão e

negociação transparente de um tratado que coloque a sustentabilidade ambiental, o respeito pelos direitos

humanos e a proteção dos direitos laborais, produtivos e sociais dos povos em primeiro lugar.

Assembleia da República, 17 de dezembro de 2020.

As Deputadas e os Deputados do BE: Fabíola Cardoso — Isabel Pires — Pedro Filipe Soares — Mariana

Mortágua — Jorge Costa — Alexandra Vieira — Beatriz Gomes Dias — Joana Mortágua — João Vasconcelos

— José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — José Moura Soeiro — Luís Monteiro — Maria Manuel Rola