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II SÉRIE-A — NÚMERO 15

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Em favor deste modelo, as plataformas têm recorrido à aparência de que, do outro lado da atividade prestada

pelo trabalhador, se encontra não uma empresa, mas um algoritmo, mero mediador entre consumidores e

«prestadores de serviços». A partir dessa perspetiva, é argumentado que o facto de algumas das características

do trabalho subordinado se encontrarem ausentes nessa relação com o algoritmo, como a existência de um

horário ou o dever de assiduidade, seria bastante para afastar o reconhecimento de uma relação laboral e a

qualificação destas atividades como trabalho dependente. Ora, como se tem visto, designadamente

relativamente aos motoristas de transporte individual de passageiros ou aos estafetas que fazem entrega de

comida ou de outros produtos, é a plataforma que permite o acesso aos clientes e, portanto, à atividade; é

através da plataforma que se estabelece o contacto com os clientes; é através da plataforma que se distribui e

remunera a atividade; é a plataforma intermediária que atribui a tarefa e define o momento em que deve ser

realizada; é a plataforma que fixa os preços e os critérios para a sua determinação; é a plataforma que determina

as regras da prestação da atividade e que fixa unilateralmente os critérios de avaliação que serão

disponibilizados aos clientes.

É verdade que o trabalhador pode escolher o horário a que se liga, mas tem a contrapartida de poder ser

«desativado» (isto é, na prática, dispensado ou despedido) se não estiver disponível num determinado horário

ou não aceitar um determinado número de serviços. É certo que pode ligar-se a várias aplicações, mas isso

acontece essencialmente porque precisa de procurar trabalho através de vários intermediários para ter uma

remuneração que lhe permita sobreviver. É certo que pode trabalhar com a sua bicicleta ou um automóvel que

seja seu, mas verdadeiramente não são esses os principais «meios de produção» que estão em causa nesta

atividade. De facto, a apregoada «liberdade» dos trabalhadores é totalmente limitada por estas formas de

subordinação às regras da plataforma.

Este «modelo de negócio» e esta ausência de enquadramento laboral permite, contudo, a transferência dos

riscos e responsabilidades empresariais para os trabalhadores, através de uma organização do trabalho feita

em função da resposta a cada procura individual (work-on-demand via aplicação). É, também, um mecanismo

de invisibilização jurídica do trabalho e dos sujeitos das relações de produção, que legitima a ausência de

responsabilidades empregatícias por parte das empresas e a criação de uma força de trabalho

permanentemente disponível, mas da qual as empresas titulares das plataformas só fazem uso quando

necessário e só remuneram pela estrita realização de cada tarefa.

Trata-se, portanto, de um modelo que visa permitir uma inaudita acumulação de lucros por parte de empresas

(multinacionais, na sua maioria), que escapam, através deste esquema, das obrigações legais relativamente a

quem presta a atividade e às formas de regulação económica dos sectores onde efetivamente operam. As

consequências desta desregulação são catastróficas do ponto de vista laboral, porque têm o efeito de excluir

centenas de milhares de trabalhadores de conquistas civilizacionais como um salário mínimo garantido, férias

remuneradas, acesso a pensões e à cobertura de eventualidades (doença, acidente, parentalidade …), limites

mínimos e máximos da duração do trabalho, bem como dos direitos elementares de representação coletiva. Mas

são-no também do ponto de vista económico, porque aquilo a que se assiste é a um verdadeiro fenómeno de

dumping social e fiscal, de concorrência desleal face aos sectores da economia enquadrados pelas leis que

estabelecem o licenciamento das atividades, pelas leis tributárias e pelo direito do trabalho.

2 – O enquadramento legal e a questão da qualificação da relação laboral com as plataformas

O debate sobre o enquadramento do trabalho através de plataformas digitais tem ocorrido em todo o mundo,

dando origem a intervenções de natureza muito diferente, seja pelas autoridades locais, seja através de

contratação coletiva, seja por parte dos tribunais (com decisões que criam jurisprudência, nomeadamente

relativamente à qualificação da relação contratual), seja por via de leis gerais aplicáveis a uma parte das

plataformas (como as de transportes ou de entregas), ou ao conjunto dos trabalhadores que prestam atividade

através de plataformas digitais.

Ao nível das soluções locais, elas passaram essencialmente pela regulamentação da atividades de

plataformas como a Airbnb, como aconteceu em Paris, Barcelona ou Berlim, ou pelo estabelecimento de

«compromissos éticos» com as plataformas de entregas, como sucedeu em Bolonha, Itália, no caso da

assinatura de uma carta entre o sindicato local de estafetas, as três principais confederações sindicais, a câmara

municipal e as plataformas locais de entrega de refeições ao domicílio (Sgnam e MyMenu). Em Lisboa, chegou