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II SÉRIE-A — NÚMERO 15

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recorrendo ao trabalho daquele. Na realidade, a própria Organização Internacional do Trabalho, através de uma

Comissão de Peritos, fez uma Recomendação em 2020 em que sublinhou, a propósito deste debate, que «o

uso de trabalho ocasional numa base regular, para desenvolver atividades que dizem respeito ao negócio

principal da empresa é uma forma de relação de emprego dissimulada e contribui para a precariedade deste

tipo de trabalho» (ILO, 2020, p.127).

Contudo, como se sabe, tem havido um investimento frenético por parte das grandes multinacionais para que

a Comissão Europeia e os diferentes países do mundo definam enquadramentos especiais que as autorizem a

manter o seu «modelo de negócio» e as libertem de quaisquer responsabilidades patronais perante os

trabalhadores das plataformas. Na Califórnia, os donos das plataformas conseguiram, com um investimento de

cerca de 200 milhões de dólares numa gigantesca campanha, anular o reconhecimento de contratos de trabalho

através de um referendo, que ganharam, e da consagração de uma «Proposition 22» que permite a existência

de um modelo especial de contratação de trabalhadores formalmente independentes, mas financeiramente

dependentes da plataforma.

Uma outra solução, adotada em alguns países, como por exemplo em França, foi estender algumas

proteções tradicionalmente associadas aos trabalhadores por conta de outrem também aos trabalhadores das

plataformas, independentemente do seu estatuto laboral. Na Colômbia, foi mesmo instituída uma terceira

categoria, entre trabalho subordinado e trabalho independente, específica para as plataformas. Essa linha de

um terceiro estatuto, ou do recurso à figura do «trabalhador equiparado», é obviamente do agrado das

plataformas, porque as desobriga de assumir quaisquer vínculos laborais com os seus trabalhadores, ao mesmo

tempo que, na sociedade, responde à pressão por direitos sociais canalizando essa responsabilidade para os

sistemas de proteção social e, nalguns casos, para os próprios orçamentos dos Estados. Trata-se, assim, de

uma adaptação da lei em benefício das plataformas digitais, de uma armadilha que abre um precedente perigoso

do ponto de vista laboral e de uma solução oportunista do ponto de vista da distribuição dos encargos sociais.

3 – O caso português e a disputa em curso

O Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia (Joint Research Centre) conduziu, durante o ano

de 2017, um inquérito-piloto sobre «economia colaborativa e emprego», apresentando uma estimativa inicial do

emprego gerado direta e indiretamente por negócios de plataformas digitais. Esse estudo concluía que, em

países como o Reino Unido, Espanha, Alemanha e Portugal, mais de 10% da população total adulta já prestou

algum serviço a partir de uma plataforma digital. Em Portugal, segundo o mesmo inquérito, entre 2 a 4% dos

trabalhadores tinha nas plataformas digitais a sua principal (ou única) fonte de rendimento.

Mais recentemente, um dos investigadores responsáveis pelo consórcio de investigação que desenvolve o

projeto «Crowdwork. Finding new strategies to organise in Europe» (coordenado por Nuno Boavida e António

Brandão Moniz), que em Portugal tem estudado a Uber, a Glovo, a Uber Eats, a Upwork, a Airbnb e «Call

Centers at Home», avançou o número de cerca de 80 mil trabalhadores neste setor, excluindo plataformas como

a «Call Centers at Home» e sublinhando a indeterminação de uma estimativa que não tem ainda como ser feita

de forma precisa. Por outro lado, o conhecimento desta realidade em Portugal alerta também para a diferença

entre as plataformas cujas tarefas podem ser inteiramente executadas online e, por isso, em qualquer lugar do

mundo (por exemplo, edição ou design gráfico), e as plataformas cujo trabalho é necessariamente

territorializado, dado que exige a copresença física com o cliente, como acontece com os motoristas ou os

estafetas.

Portugal foi, curiosamente, um dos primeiros países do mundo a fazer uma lei específica para o trabalho nas

plataformas, mas apenas para um sector particular. Fê-lo através da Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto. À

semelhança do que sucedeu nos outros pouquíssimos países que fizeram legislações específicas, enquanto

ainda se fazia o debate nos tribunais em vários países sobre o tipo de relações laborais estabelecidas com as

plataformas, a lei portuguesa assumiu uma orientação neoliberal, à medida dos interesses de plataformas como

a Uber. Do ponto de vista das relações de trabalho, o enquadramento que foi aprovado por acordo entre o PS,

o PSD e o CDS-PP teve a originalidade de considerar, além dos três sujeitos que intervêm neste tipo de atividade

(o trabalhador; a plataforma; o cliente), um quarto sujeito, o «operador de TVDE». Assim, a lei logrou libertar as

plataformas digitais (Uber, Bolt, Free Now e It's my Ride, os quatro que atualmente operam em Portugal) de

quaisquer compromissos contratuais em relação aos motoristas, impedindo o estabelecimento de relações de