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11 DE OUTUBRO DE 2021

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trabalho entre os motoristas e a plataforma e obrigando à intermediação de um terceiro agente, o tal «operador

de TVDE».

Não se sabe ao certo quantos dos 8880 operadores de TVDE, isto é, das empresas que contratam os

motoristas, são na realidade empresas ou, ao invés, os próprios motoristas empresarializados. Também não se

sabe quantos contratos de trabalho existem, embora as inspeções da ACT indiquem um elevado grau de

incumprimento da lei. De facto, esta figura do «operador de TVDE» é um artifício para esbater, no modo como

se organiza a atividade, a ligação contratual que existe entre o motorista e a plataforma digital. Por outro lado,

não obstante os limites definidos pela Lei n.º 45/2018 relativamente aos horários de trabalho, o facto é que as

jornadas diárias de trabalho rondam, de acordo com os sindicatos, cerca de 14 horas diárias em média, dado

que dificilmente um motorista consegue um rendimento que lhe permita sobreviver se estiver a trabalhar um

período inferior àquele. Os conflitos relativos às taxas cobradas pelas plataformas têm sido, também, uma

constante neste setor desde então.

Em termos jurisprudenciais, até ver, não existem decisões relativas a estafetas que trabalham com

plataformas digitais em Portugal e à qualificação da sua relação laboral. Em termos de debate político, o Governo

entendeu, contudo, realizar um «Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho», cuja coordenação científica ficou a

cargo dos professores de Direito do Trabalho Guilherme Dray e Teresa Coelho Moreira. A versão preliminar

deste Livro Verde, apresentada em junho de 2021, tinha uma caracterização sobre a realidade das plataformas

digitais e um conjunto de linhas de ação. Nalguns casos, essas linhas parecem remeter para um enquadramento

contributivo e fiscal próprio, à parte do que se aplica às restantes empresas, e para o estabelecimento de direitos

de proteção social independentes da qualificação contratual, isto é, aplicáveis aos trabalhadores mesmo que

estes mantenham uma situação de verdadeiro trabalho independente ou de «falsos recibos verdes», o que

poderia ser concretizado pelo tal «terceiro estatuto», à imagem do que foi criado em França ou na Colômbia.

Por outro lado, na linha da jurisprudência que reconhece o direito destes trabalhadores ao contrato de trabalho,

os coordenadores científicos do livro inscreveram nesta versão a proposta de «Criar uma presunção de

laboralidade adaptada ao trabalho nas plataformas digitais, para tornar mais clara e efetiva a distinção entre

trabalhador por conta de outrem e trabalhador por conta própria, sublinhando que a circunstância de o prestador

de serviço utilizar instrumentos de trabalho próprios, bem como o facto de estar dispensado de cumprir deveres

de assiduidade, pontualidade e não concorrência, não é incompatível com a existência de uma relação de

trabalho dependente entre o prestador e a plataforma digital». Trata-se de uma recomendação muito relevante.

No Plano de Recuperação e Resiliência atira, todavia, qualquer intervenção deste tipo para 2022. O Livro Verde

identifica ainda explicitamente a necessidade de rever a «Lei Uber», muito embora não explicite em que sentido

nem assuma o compromisso de revogar a bizarra e dispensável figura do «operador de TVDE». E sinaliza a

necessidade de «regulamentar a utilização de algoritmos, nomeadamente na distribuição de tarefas,

organização do trabalho, avaliação de desempenho e progressão, em particular no âmbito do trabalho prestado

através de plataformas».

Entretanto, a proposta apresentada pelo Governo na Comissão Permanente de Concertação Social, em julho

de 2021, e agora reiterada, representa uma dupla inflexão relativamente ao Livro Verde sobre o Futuro do

Trabalho e uma cedência ao lóbi feito pelas confederações patronais e pelas multinacionais como a Uber nos

últimos meses. A referência à «salvaguarda de regimes legais específicos» é o modo de se anunciar a

manutenção da lei Uber para os TVDE, recuando em relação ao que o Livro Verde parecia apontar. A referência

às condições em que a presunção é afastável aparece como mecanismo para fugir à aplicação da lei e indicar

aos patrões como contornar essa presunção. Finalmente, quando o documento refere a «presunção da

existência de contrato com a plataforma ou a empresa que nela opere», está a exportar, para os regimes que

não o do TVDE, o modelo pernicioso da «Lei Uber», porque não se prevê apenas a «presunção da existência

de contrato com a plataforma» (como sugere o Livro Verde), mas também «com a empresa que nela opere»,

prevendo assim um intermediário para isentar as plataformas de responsabilidades empregatícias.

4 – O que propõe o projeto de lei do Bloco

O propósito de fundo do projeto de lei do Bloco é claro: regular as relações laborais em plataforma digital,

ampliando o Direito de Trabalho de modo a incluir nele, e no estatuto de trabalhador dependente, os

trabalhadores das plataformas, reconhecendo ao mesmo tempo a diversidade de situações que podem