O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

28 DE OUTUBRO DE 2021

7

um processo natural e esperado perante a quebra de vínculos que se verifica.

Após a perda gestacional há mulheres que dizem sentir falta de empatia e aceitação social para sentir e viver

a perda, e essa falta de aceitação pode ser um fator de risco para a vivência do luto dessas mulheres.

Atualmente, a mãe trabalhadora tem direito a licença por interrupção da gravidez, conforme o disposto no

artigo 38.º do Código do Trabalho. Ou seja, após a interrupção da gravidez (voluntária ou não) a trabalhadora

terá de contactar o seu médico para efeitos de lhe ser atribuída licença, com duração entre 14 a 30 dias,

conforme as considerações do médico. Para além disso, o pai não tem aqui quaisquer direitos.

Ora, a licença não se confunde com o direito ao luto, que agora propomos, o qual deve ser garantido tanto à

mãe como ao pai, como aos beneficiários da gravidez de substituição. Neste último caso, parece-nos justo que

aqueles que pretendiam ser pais por meio da gestação de substituição tenham direito a falta justificada por luto

no caso de interrupção espontânea da gravidez. Há uma expectativa legítima de que virão a ser pais e de que

virão a acolher aquele bebé, e a frustração dessa expectativa traz muito sofrimento associado.

No que diz respeito aos pais, ao longo dos anos a forma como se perceciona a parentalidade tem sofrido

alterações e temos assistido a uma mudança de uma visão quase exclusivamente centrada na mulher para uma

visão mais paritária, ainda que não tanto como desejável, já que as questões da reprodução e do aborto

continuam em grande parte a ser vistas como um «problema» da mulher. Isto acontece por fatores sociais,

políticos e legais (o facto de o pai não ter qualquer direito em caso de interrupção da gravidez comprova-o). A

verdade é que a interrupção da gravidez também tem impactos para os homens.

O ato de abortar, seja ele induzido ou não, pode desencadear múltiplas consequências psicológicas nos pais,

que não estão relacionadas de forma linear com o tempo de gestação. Muitos especialistas afirmam que estas

dependem da própria motivação e desejo da gravidez, do investimento emocional que se gerou em torno da

mesma e na ligação com o bebé. No entanto, de um modo geral, as perdas com maior impacto ocorrem no

último trimestre da gravidez.

As perdas experienciadas pela mãe e pai, durante a gravidez ou puerpério, geram respostas emocionais

específicas, que se podem manifestar de diversas formas como tristeza, solidão, culpa, raiva, ansiedade, apatia,

choque, desamparo, choro, isolamento, baixa autoestima, insónia, perda de apetite, entre outros.

O período de dor e sofrimento correspondente ao luto por uma perda é normal e deve ser encarado como

saudável e necessário.

Segundo o relatório denominado Retrato da Saúde 20182, do Ministério da Saúde, o número de interrupções

da gravidez (incluindo a interrupção voluntária e a espontânea) tem vindo a diminuir desde 2011. No entanto, a

média de interrupções entre 2011 e 2016 é de 17 886, embora a maioria diga respeito a interrupções voluntárias.

Ainda assim, esta não é uma situação ocasional, é algo que acontece todos os dias, com todo o sofrimento que

isso implica para as mães e pais.

A aprovação deste projeto de lei mostrará que, mais uma vez, Portugal está num caminho para a defesa dos

direitos das mulheres e para a construção de uma sociedade mais igualitária. Para além de acompanhar a

aprovação recente de lei idêntica que despertou o interesse internacional sobre esta temática, tendo sido a Nova

Zelândia o precursor.

A lei aprovada na Nova Zelândia3 é um exemplo de legislação que reconhece explicitamente o luto que vem

com a interrupção da gravidez.

Para além disso, este reconhecimento pode contribuir para permitir que as mulheres se sintam mais

confortáveis ao falarem sobre a interrupção da gravidez e em pedir ajuda no que é uma enorme perda física e

emocional, sem a pressão financeira, insegurança ou licença insuficiente para dedicar o tempo necessário ao

luto.

Por sua vez, os pais terão pela primeira vez direito ao sofrimento, sem perda de remuneração, assim como

terão direito a apoiar-se mutuamente.

Por este motivo, propomos que os progenitores passem a ter direito a três dias de luto em caso de interrupção

espontânea da gravidez, incluindo-se aqui também os beneficiários da gestação de substituição.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, a Deputada não inscrita Cristina Rodrigues

apresenta o seguinte projeto de lei:

2 https://www.sns.gov.pt/wp-content/uploads/2018/04/RETRATO-DA-SAUDE_2018_compressed.pdf 3 https://www.legislation.govt.nz/bill/member/2019/0159/latest/whole.html#LMS220706