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II SÉRIE-A — NÚMERO 3

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de género, ao prever o procedimento de mudança de sexo e de nome próprio no registo civil. Não obstante ter

sido, à época, considerada uma das leis mais avançadas a nível mundial, a sua aplicação prática não tardou a

que se levasse à identificação de fragilidades e incongruências por parte de quem tomou contacto com este

procedimento. Nessa ocasião, revelaram-se evidentes as situações de estigmatização e discriminação das

pessoas transgénero devido à excessiva burocratização deste processo, que continuaram a dificultar e até

mesmo impossibilitar esta transição, colocando em causa a finalidade do próprio diploma.

Ao abrigo do modelo aprovado pela Lei n.º 7/2011, de 15 de março, para se proceder à alteração da

identidade de género no documento de identificação era necessário, para além da apresentação de outros

documentos, um relatório que comprovasse o diagnóstico de perturbação de identidade de género, também

designada como transexualidade, elaborado por equipa clínica multidisciplinar de sexologia clínica em

estabelecimento de saúde público ou privado, nacional ou estrangeiro, cujo relatório devia ser subscrito pelo

menos por um médico e um psicólogo. Acontece que a restrição da maioridade e o requisito do diagnóstico de

«perturbação de identidade de género» criaram as principais dificuldades no acesso e na concretização deste

procedimento: por um lado, tenderam a atrasar processos de transição social já em curso em crianças,

adolescentes ou adultos, com os inerentes desafios pessoais e sociais. Por outro, faziam com que o processo

ficasse dependente da avaliação de terceiros, o que criou barreiras desnecessárias a uma decisão individual e

consciente de mudança de sexo e de nome próprio no registo civil, colocando em causa a finalidade do próprio

diploma e continuando a contribuir para a estigmatização e para a discriminação das pessoas transgénero, já

que não garantiam a sua autodeterminação, retirando-lhes a capacidade e o direito de decisão.

Os resultados de um estudo, promovido pelo ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, em parceria com a

Associação ILGA Portugal e a LLH – The Norwegian LGBT Association, revelaram uma diversidade de práticas

clínicas, em que certos profissionais faziam depender o reconhecimento legal do género de critérios que se

estendiam para além do diagnóstico – de uma segunda avaliação independente –, pelo que existiam situações

em que uma pessoa trans só conseguia obter este relatório ao fim de três anos.

Várias entidades por todo o País, incluindo a API – Ação pela Identidade, ou a AMPLOS Bring Out –

Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual e Identidade de Género, reivindicaram a

criação de nova legislação que removesse a obrigatoriedade de apresentação destes diagnósticos e que

afastasse a esfera clínica da legal, dando prioridade à autodeterminação de género no procedimento de

mudança de sexo e de nome próprio no registo civil, tornando-a assim individual e independente de relatórios

médicos e/ou de eventuais processos clínicos que venham ou não a surgir na vida destas pessoas, dando ainda

ênfase à necessidade de alargar a possibilidade de mudança de sexo e de nome próprio no registo civil a

menores.

Também na Europa se verificaram estas conclusões e reivindicações em relação ao aperfeiçoamento da

legislação neste âmbito. Em 2015, o Conselho da Europa apelou ao fim da exigência de um diagnóstico de

saúde mental enquanto procedimento legal necessário para o reconhecimento jurídico da identidade de género

e, por todo o mundo, as legislações mais recentes referentes a esta matéria excluem a necessidade deste

diagnóstico, nomeadamente as da Argentina (2011), Malta (2015), Noruega (2016).

Apesar das fragilidades e insuficiências detetadas, ao conceder o direito à autodeterminação de género por

via da implementação da Lei n.º 7/2011, de 15 de março, o Estado quebrou impedimentos e oposições criadas

após a implementação deste mesmo diploma, contribuindo também aqui para eliminar discriminações e para

assegurar o pleno usufruto da cidadania a todas/os as/os cidadãs/ãos, independentemente da sua identidade

de género.

Ora, neste sentido, em 2016, com o intuito de assegurar o direito à autodeterminação de género e

considerando a premência de medidas que garantam o respeito pela autodeterminação e a autonomia das

pessoas transgénero, o PAN apresentou o Projeto de Lei n.º 317/XIII/2.ª, que visava a eliminação da

obrigatoriedade da entrega do relatório que comprove o diagnóstico de perturbação de identidade de género

nas conservatórias do registo civil e atribuindo a legitimidade a menores, acompanhados pelos seus

representantes legais ou pelo Ministério Público, para requerer judicialmente a alteração do registo. A verdade

é que, um gesto tão banal para muitos cidadãos, como seja a apresentação do documento de identificação

continua a ter, em Portugal, uma forte implicação negativa na vida de inúmeras pessoas, cuja identidade de

género difere do sexo atribuído à nascença e que, por esse motivo, se vêm estigmatizadas no acesso a cuidados

de saúde, assim como a bens e serviços, educação e habitação. E enquanto partido de causas assente na não-