O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

8 DE JUNHO DE 2022

47

Quando o preceito legal que prevê o tipo de crime nada diz, o crime é público e a notícia do mesmo é

suficiente para a instauração do processo criminal, correndo o procedimento mesmo contra a vontade do titular

dos interesses ofendidos. Por seu turno, quando se requer uma queixa da pessoa com legitimidade para a

exercer, o crime é semipúblico e torna-se admissível a desistência da queixa. Por fim, o crime é particular

quando, além da queixa, é necessário que a pessoa com legitimidade para tal se constitua assistente no

processo criminal e que, oportunamente, deduza acusação particular.

O procedimento criminal pelos crimes de coação sexual (artigo 163.º), violação (artigo 164.º) e abuso

sexual de pessoa incapaz de resistência (artigo 165.º), depende de queixa, salvo se forem praticados contra

menor ou deles resultar suicídio ou morte da vítima, caso em que o crime é público e a simples notícia do

crime é suficiente para se iniciar o processo criminal (n.º 1 do artigo 178.º). Todavia, na sua redação atual e

por força de alteração legislativa ocorrida em 2015, nos termos do n.º 2 do artigo 178.º, «quando o

procedimento pelos crimes previstos nos artigos 163.º e 164.º depender de queixa, o Ministério Público pode

dar início ao mesmo, no prazo de seis meses a contar da data em que tiver conhecimento do facto e dos seus

autores, sempre que o interesse da vítima o aconselhe».

O artigo 178.º sofreu diversas alterações ao longo do tempo, sendo especialmente relevante a alteração

introduzida pela Lei n.º 83/2015, de 4 de setembro, que aditou o atual n.º 2 e renumerou os seguintes,

garantindo ao Ministério Público a possibilidade de dar início ao procedimento criminal, se o interesse da

vítima o impuser. Admitiu-se, por esta via, a possibilidade de instauração de procedimento criminal

independentemente da existência de queixa, por crimes contra a liberdade sexual, mas sempre em função do

critério primordial que é o interesse da vítima.

Até à data, foram recebidos os pareceres da Ordem dos Advogados e do Conselho Superior da

Magistratura.

O parecer do Conselho Superior da Magistratura remete para as observações já vertidas no parecer

apresentado na XIV Legislatura relativamente ao Projeto de Lei n.º 852/XIV/2.ª (PAN), cujo conteúdo era

semelhante, por considerar que as observações feitas relativamente às questões de fundo se mantêm

pertinentes. No que tange ao novo crime de assédio cuja introdução no Código Penal se pretende, conclui-se

que «as condutas penalmente relevantes que não sejam socialmente toleráveis já são passíveis de ser

integradas e punidas no âmbito da aplicação de outras incriminações, muito em particular no âmbito do crime

de importunação sexual (…)». Acrescenta-se que «não se justificará uma sobreposição de normas, sempre

geradora de oscilações interpretativas e de problemas ao nível de concurso de crimes, que embaraçam

inevitavelmente a realização da justiça». Por outro lado, afirma-se que «não se vislumbra qualquer razão para

atribuir natureza pública ao dito crime de assédio sexual».

O parecer da Ordem dos Advogados conclui que «as alterações preconizadas carecem de adequada

sustentação, razão pela qual se devem manter inalteradas as disposições legais em questão». Antes, dá-se

nota de que «as condutas penalmente relevantes no contexto descrito na exposição de motivos são passíveis

de ser integradas e punidas no âmbito de outras incriminações». Também não se acompanha a atribuição de

natureza pública a estes crimes, alertando-se para a necessidade de não incorrer no erro «de fazer prevalecer

cegamente o interesse comunitário na persecução penal sobre o interesse da vítima».

Parte II – Opinião da relatora

A relatora do presente parecer acompanha as observações feitas nos pareceres do Conselho Superior da

Magistratura e da Ordem dos Advogados sobre o facto de não se ter logrado evidenciar a existência de

lacunas de punibilidade no que respeita à multiplicidade de condutas que se pretendia autonomizar num novo

crime de assédio sexual. Julga-se, até, que em função da sua diversidade e distintos graus de desvalor, deve

manter-se a opção atual de subsunção possível em diferentes normas penais incriminadoras, num arco que

vai desde as formas mais graves de violação até à importunação sexual.

No que respeita à outorga de natureza pública, ainda que pretensamente mitigada, julga-se conveniente

uma curta revisitação da reflexão já vertida na monografia O Direito Processual Penal Português em Mudança

– Rupturas e Continuidades1.

1 Cfr. Cláudia CRUZ SANTOS, O Direito Processual Penal Português em Mudança – Rupturas e Continuidades, Almedina: 2020,