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II SÉRIE-A — NÚMERO 39

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Consideram os proponentes que a alteração legislativa preconizada solucionará «casos de enorme

injustiça para muitas pessoas cujos progenitores, pelas mais variadas razões, só reconheceram a respetiva

paternidade na sua idade adulta».

Invocando os «ajustamentos na Lei da Nacionalidade, que foram alargando os direitos dos

lusodescendentes» das últimas Legislaturas3, os proponentes defendem haver ainda «obstáculos burocráticos

que, no plano legislativo, nos afastam de todo este universo de lusodescendentes», de que consideram ser

exemplo o referido artigo 14.º Na verdade, baseando-se o reconhecimento da nacionalidade originária na

filiação, esta norma impede tal reconhecimento em caso de estabelecimento de filiação já na maioridade do

interessado.

Nesse sentido, retomam, com a presente, iniciativa legislativa apresentada na anterior Legislatura,

entretanto caducada – o Projeto de Lei n.º 810/XIV/2.ª –, que se compõe de quatro artigos: o primeiro definidor

do respetivo objeto, o segundo prevendo a alteração da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, o terceiro determinando

a revogação do seu artigo 14.º, e o quarto diferindo o início de vigência da Lei a aprovar para o dia seguinte ao

da sua publicação. Esta técnica legislativa será analisada infra na alínea g) do presente parecer.

c) Enquadramento constitucional

O projeto em apreço versa sobre aquisição da cidadania portuguesa, alterando a Lei n.º 37/81, de 3 de

outubro, na sua redação atual. Trata-se de uma matéria da reserva absoluta de competência legislativa da

Assembleia da República [alínea f) do artigo 164.º da CRP], carece de votação na especialidade pelo Plenário

(n.º 4 do artigo 168.º da CRP), assume a forma de lei orgânica (n.º 2 do artigo 166.º da CRP) e convoca um

alargamento da legitimidade para requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade, que é conferida

não apenas ao Presidente da República, mas também ao Primeiro-Ministro ou um quinto dos Deputados à

Assembleia da República em efetividade de funções (n.os 4 e 7 do artigo 278.º da CRP).

Assim, quando e se aprovado este projeto assume, do ponto de vista orgânico-formal, a natureza de lei de

valor reforçado, nos termos do n.º 3 do artigo 112.º da CRP.

Do ponto de vista material, o projeto convoca o disposto no artigo 4.º da CRP, nos termos do qual «[S]ão

cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela lei ou por convenção

internacional.», o que significa que o legislador constituinte deixou grande latitude ao legislador ordinário nesta

matéria, embora, como referem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA «… o facto de a constituição ter

remetido para lei ou convenção internacional a definição dos critérios da cidadania portuguesa não quer

significar que exista aqui total liberdade de definição. Não pode ser adotada uma solução arbitrária. Há-de

existir naturalmente uma qualquer conexão relevante entre o cidadão português e Portugal (nascimento em

território português ou em território sob administração portuguesa, filiação de portugueses, casamento com

portugueses, etc.)»4.

No mesmo sentido, os próprios princípios de direito internacional incluem o princípio da nacionalidade

efetiva, que se traduz na ligação efetiva e genuína entre o indivíduo e um Estado. De acordo com este

princípio, um Estado só deve conceder a sua nacionalidade a quem com ele tenha, por força do nascimento,

descendência ou outros fatores relevantes, uma relação de pertença. Daqui resulta que o princípio da

nacionalidade efetiva opera como um limitador da atuação legislativa dos Estados em matéria de concessão

da nacionalidade5.

Outros princípios de Direito Internacional sobre esta matéria, são também a proibição de discriminação, o

alcance individual e não coletivo da aquisição ou da perda de cidadania e a dependência de consentimento do

próprio para a naturalização ou qualquer forma de aquisição superveniente da cidadania6. E a Declaração

Universal dos Direitos do Homem, determina, no artigo 15.º, que «todo o individuo tem direito a uma

nacionalidade.»

3 Em particular, o aprovado na XIII Legislatura através da Lei Orgânica n.º 9/2015, de 29 de julho, que passou a reconhecer como portugueses de origem «Os indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente de nacionalidade portuguesa do 2.º grau na linha reta que não tenha perdido essa nacionalidade, se declararem que querem ser portugueses, possuírem laços de efetiva ligação à comunidade nacional e, verificados tais requisitos, inscreverem o nascimento no registo civil português».

4 V. GOMES CANOTILHO e VTAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, volume I, Coimbra, 2007, pág. 222. 5 V. MARIA FERNANDA CARNEIRO, Os princípios do Direito da Nacionalidade no instituto da aquisição da nacionalidade portuguesa por

naturalização, Porto, 2021, pág. 12. 6 V. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição da República Portuguesa anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra, 2010, pág. 124.