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II SÉRIE-A — NÚMERO 42

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suficiente para a instauração do processo criminal, correndo o procedimento mesmo contra a vontade do titular

dos interesses ofendidos. Por seu turno, quando se requer uma queixa da pessoa com legitimidade para a

exercer, o crime é semi-público e torna-se admissível a desistência da queixa. Por fim, o crime é particular

quando, além da queixa é necessário que a pessoa com legitimidade para tal se constitua assistente no processo

criminal e que, oportunamente, deduza acusação particular.

O procedimento criminal pelos crimes de coação sexual (artigo 163.º), violação (artigo 164.º) e abuso sexual

de pessoa incapaz de resistência (artigo 165.º), depende de queixa, salvo se forem praticados contra menor ou

deles resultar suicídio ou morte da vítima, caso em que o crime é público e a simples notícia do crime é suficiente

para se iniciar o processo criminal (n.º 1 do artigo 178.º). Todavia, na sua redação atual e por força de alteração

legislativa ocorrida em 2015, nos termos do n.º 2 do artigo 178.º, «quando o procedimento pelos crimes previstos

nos artigos 163.º e 164.º depender de queixa, o Ministério Público pode dar início ao mesmo, no prazo de seis

meses a contar da data em que tiver conhecimento do facto e dos seus autores, sempre que o interesse da

vítima o aconselhe».

O artigo 178.º sofreu diversas alterações ao longo do tempo, sendo que, para o que a este parecer interessa,

é especialmente relevante a alteração introduzida pela Lei n.º 83/2015, de 4 de setembro, que aditou o atual n.º

2 e renumerou os seguintes, garantindo ao Ministério Público a possibilidade de, no caso dos crimes previstos

e punidos pelos artigos 163.º e 164.º dependentes de queixa, poder dar início ao procedimento criminal, se o

interesse da vítima o impuser. Admitiu-se, por esta via, a possibilidade de instauração de procedimento criminal

independentemente da existência de queixa, nos crimes de coação sexual e de violação, mas sempre em função

do critério primordial que é o interesse da vítima.

Parte II – Opinião da relatora

Tendo cabido à ora relatora a elaboração do parecer relativo ao Projeto de Lei n.º 250/XIV/1.ª (BE) –

Consagra os crimes de violação, de coação sexual e de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência como

crimes públicos, cujo conteúdo era idêntico ao deste Projeto de Lei n.º 59/X/1.ª (BE), e mantendo-se a opinião

da relatora a mesma, reproduz-se nesta sede, com um propósito de facilidade de consulta, a opinião vertida

naquela ocasião.

Aquilo que há de novo prende-se, de momento, apenas com a radical alteração de perspetiva manifestada

no parecer apresentado pela Ordem dos Advogados. No parecer apresentado em 19 de maio de 2020 a

propósito de iniciativa legislativa semelhante à presente, dificilmente se poderia ser mais enfático na oposição

ao propósito de tornar públicos estes crimes: «Discordamos frontal e decididamente desta proposta de alteração.

Com efeito, não foi à toa que o bem jurídico protegido nos crimes sexuais passou a ser a liberdade e a

autodeterminação sexual da vítima, em vez dos valores e dos princípios ético-sociais da comunidade (…). Os

três tipos de crime em questão mexem com o que de mais íntimo existe em qualquer ser humano». Referindo-

se ao que podem significar estes crimes para as vítimas, menciona-se naquele parecer o contacto indesejado

com o agressor, «nomeadamente em termos de cheiros exalados por este, de toques vindos dele e impostos e

sobrepostos na sua pele e no seu corpo com as mãos dele, com a sua boca, a sua língua, a sua cara, os seus

cabelos, os seus dedos, o seu peito, as suas pernas, os seus órgãos genitais (…), contactos esses que, por

isso, se tornam absolutamente insuportáveis de tão repugnantes, repulsivos e nojentos e que a ela, vítima – e

só a ela – são violentamente impostos». Concluindo-se que, por estas razões, «não pode pretender-se

ultrapassar e postergar a vontade da vítima neste tipo de crimes no que concerne à iniciativa da instauração do

competente processo criminal», até porque «mais insuportável se evidencia a imposição de um processo judicial,

contra a vontade desse ser humano, a vítima, mas fundamentalmente porque a instauração desse processo

criminal, implicando as mais das vezes exame ou exames médico-ginecológicos da vítima (…), depoimentos

diversos (…) e com todos os possíveis e exasperantes – para a vítima – desenvolvimentos que um processo

judicial pode envolver, pode significar e, em regra, significa uma vitimização secundária imposta constante e

repetidamente à pessoa da vítima». Pelo contrário, no parecer apresentado a 8 de junho de 2022, afirma-se que

«sobre o projeto lei em causa, o nosso parecer é que o mesmo, face ao alargamento das situações de violência

sexual e, bem assim, as consequências deste nas vítimas, nomeadamente o receio que incute nestas de

repetição ou retaliação do agressor e o facto de pôr em causa a dignidade humana aliado à ideia de sentimento