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II SÉRIE-A — NÚMERO 42

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secundária que deve considerar-se inaceitável. A ponderação das vantagens associadas a não atribuir carácter

sobretudo público a crimes como o de violação não se funda, pois, na afirmação da menor gravidade das

condutas, mas sim, pelo contrário, na verificação de que tais condutas muito graves devem merecer a resposta

pública alcançada através do processo penal sempre que – mas apenas quando – as vítimas o não considerarem

insuportável.

No âmbito do Conselho da Europa, foi adotada em 2011 a Convenção de Istambul – Convenção para a

Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica4, aprovada através da

Resolução da Assembleia da República n.º 4/2013, de 21 de janeiro. Esta Convenção contém um conjunto de

disposições que parecem indiciar uma preferência pelas soluções punitivas em detrimento de outras respostas

que possam ser mais desejadas pelas vítimas, o que não deixa de ser questionável. Entre essas disposições,

conta-se o artigo 48.º, sob a epígrafe «Proibição de processos alternativos de resolução de conflitos ou de

pronúncia de sentença obrigatórios»: «1. As Partes deverão adoptar as medidas legislativas ou outras que se

revelem necessárias para proibir os processos alternativos de resolução de conflitos obrigatórios, incluindo a

mediação e a conciliação em relação a todas as formas de violência abrangidas pelo âmbito de aplicação da

presente Convenção» – a única interpretação que se julga cabida (e que é, para mais, coerente com o argumento

literal) é que esta disposição apenas interdita os processos alternativos de resolução de conflitos que sejam

obrigatórios, ou seja, não queridos pelas vítimas. Também com relevância para a ponderação de um assunto já

referido – o da opção pela natureza pública ou semipública nos crimes tradicionalmente associados à violência

contra as mulheres –, dispõe-se no artigo 55.º da Convenção de Istambul, sob a epígrafe «Processos ex parte

e ex officio», que «1. As Partes deverão garantir que as investigações das infracções previstas nos artigos 35.º,

36.º, 37.º, 38.º e 39.º da presente Convenção ou o procedimento penal instaurado em relação a essas mesmas

infracções não dependam totalmente da denúncia ou da queixa apresentada pela vítima, se a infracção tiver

sido praticada no todo ou em parte no seu território, e que o procedimento possa prosseguir ainda que a vítima

retire a sua declaração ou queixa». A nova redação dada ao número 2 do artigo 178.º do Código Penal – e a

possibilidade de em certas situações o Ministério Público desencadear oficiosamente o processo criminal –

parece salvaguardar o respeito por esta prescrição.

Em síntese: acautelada a possibilidade de, nos termos no novo n.º 2 do artigo 178.º, o Ministério Público

desencadear oficiosamente o processo em nome do interesse da vítima, a manutenção da natureza semipública

destes crimes de coação sexual, violação e abuso sexual de pessoa incapaz de resistência praticados contra

vítimas maiores de idade parece a única solução coerente com o recorte dado ao bem jurídico que é a liberdade

sexual e com o entendimento de que constitui inaceitável forma de vitimização secundária a imposição de um

processo criminal indesejado por uma vítima de um destes crimes que tão flagrantemente contendem com a sua

intimidade.

Na doutrina portuguesa, este é o entendimento sustentado nomeadamente por Pedro Caeiro, muito crítico

quanto «à expropriação de direitos da vítima», com o Estado a arrogar-se «o direito de se substituir às vítimas

em decisões com alto potencial lesivo para as respetivas vidas». O Autor pronuncia-se expressamente contra

projetos de lei que «propõem certas soluções que representam objetivamente uma perda de direitos por parte

da vítima, na medida em que – no intuito de a protegerem contra si própria – lhe retiram o poder de decidir sobre

a instauração do procedimento penal nos crimes de coação sexual e de violação (…). Subjacente a estas

soluções está a pressuposição – fundada – de que a vítima destes crimes se encontra muitas vezes fragilizada,

quando não pressionada ou coagida, e que, portanto, o Estado não deve deixar totalmente nas suas mãos

direitos cujo exercício, em último termo, pode impedir a administração da justiça e ser prejudicial para a própria.

Todavia, a forma como o Estado pretende arrogar-se o direito de se substituir às vítimas em decisões com alto

potencial lesivo para as respetivas vidas contrasta flagrantemente com o discurso de empoderamento das

mesmas e de promoção da sua autonomia. Na verdade, estas propostas não nos parecem necessárias, nem

legítimas». Por outro lado, sob o enfoque dos compromissos internacionais e da avaliação a que a legislação

portuguesa é objeto no âmbito do GREVIO, sublinha-se que «parece seguro que a lei portuguesa cumpre

perfeitamente o segmento do artigo 55.º, n.º 1, da Convenção de Istambul, na parte em que impõe aos Estados

4 Sobre o âmbito desta Convenção e sobre a possibilidade de «levantar algumas questões de compatibilidade constitucional (…) num sistema de Direito Penal dito de intervenção mínima», cfr. Teresa BELEZA, «'Consent – it’s as simple as atea': notas sobre a relevância do dissentimento nos crimes sexuais, em especial na violação», Combate à Violência de Género – Da Convenção de Istambul à nova legislação penal, Coord. Maria da Conceição Cunha, Porto: Universidade Católica Editora, 2016, p. 18.