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16 DE JUNHO DE 2022

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o dever de garantir que o procedimento pelos crimes de coação sexual e de violação não dependa inteiramente

da queixa da vítima», na medida em que, por força do novo n.º 2 do artigo 178.º do Código Penal, «a vítima

nunca tem, em caso algum, um poder absoluto de impedir o início de um procedimento penal por estes crimes,

e é precisamente isso que a Convenção pretende» – aduzindo-se enfaticamente que «a transformação da

coacção sexual e da violação em crimes públicos não só não é exigida pelo direito internacional como criará

desnecessariamente casos de vitimização secundária, que obrigarão a vítima a participar, eventualmente muitos

anos depois dos factos, de um procedimento formal que ela não deseja, e, no limite, a iniciar procedimentos

penais em casos em que a própria vítima – ao invés do Ministério Público – não se autorrepresenta como tal»5.

Por outro lado, este projeto de lei parece visar ainda a eliminação da possibilidade de suspensão provisória

do processo nos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor não agravados pelo resultado,

através de uma revogação dos números 4 e 5 do artigo 178.º do Código Penal. Sendo certo que essa revogação

não seria suficiente para atingir tal desiderato, na medida em que a possibilidade de suspensão provisória do

processo resulta também do n.º 8 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, considera-se que o afastamento

genérico da suspensão provisória do processo seria em alguns casos contrário aos interesses das vítimas,

nomeadamente no que respeita à reparação em sentido amplo dos danos que sofreram. Apesar de não se

concordar totalmente com o disposto no atual n.º 8 do artigo 281.º do CPP6, nos termos do qual o Ministério

Público, com a concordância do juiz de instrução e do arguido, pode determinar a suspensão provisória do

processo relativo a crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor não agravado pelo resultado,

tendo em conta o interesse da vítima mas não se exigindo a sua concordância, o que se julga é que se devia

esclarecer expressamente que tal suspensão provisória do processo pressupõe que a vítima seja ouvida e deve

considerar-se excluída sempre que a vítima se opuser a ela. Inexistindo, porém, qualquer referência na

exposição de motivos ao sentido da pretendida revogação dos números 4 e 5 do artigo 178.º do Código Penal,

pode subsistir a dúvida sobre se aquilo que se pretende é manter a possibilidade de suspensão provisória dos

processos nos termos do número 8 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, visando-se a mera eliminação

de norma redundante, hipótese que não mereceria idêntica oposição.

Nos termos antes expostos, a relatora signatária do presente parecer entende que:

1. Acautelada a possibilidade de, nos termos no novo n.º 2 do artigo 178.º, o Ministério Público desencadear

oficiosamente o processo em nome do interesse da vítima, a manutenção da natureza semipública destes crimes

de coação sexual, violação e abuso sexual de pessoa incapaz de resistência parece a única solução coerente

com o recorte dado ao bem jurídico que é a liberdade sexual e com o entendimento de que constitui inaceitável

forma de vitimização secundária a imposição de um processo criminal indesejado por uma vítima de um destes

crimes que tão flagrantemente contendem com a sua intimidade.

2. Não deve ser eliminada a possibilidade de suspensão provisória do processo nos crimes contra a

liberdade e autodeterminação sexual de menor não agravados pelo resultado, ainda que devesse esclarecer-se

no número 8 do artigo 281.º do Código de Processo Penal que tal suspensão provisória do processo nunca pode

5 Cfr. Pedro CAEIRO, Observações sobre a projectada reforma do regime dos crimes sexuais e do crime de violência doméstica, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 29, n.º 3, 2019, p. 668 ss (a publicação tem na base as observações enviadas ao Grupo de Trabalho — Alterações Legislativas — Crimes de Perseguição e Violência Doméstica, da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, da Assembleia da República, como complemento da audição que teve lugar a 31 de maio de 2019 6 Julga-se que o legislador devia ter esclarecido que tal suspensão não será possível face à discordância expressa do ofendido. Na inexistência desse esclarecimento, acredita-se que a objetividade que rege a atuação das autoridades judiciárias, tendo em conta o sentido da norma, impedirá uma suspensão provisória do processo nos termos do n.º 8 do artigo 281.º naqueles casos em que o menor ofendido pretenda a submissão do agente do crime a julgamento. De resto, mesmo a propósito das soluções «que permitem ao MP impulsionar o processo penal em crimes cujo início está dependente de queixa se o interesse da vítima o impuser», Frederico da COSTA PINTO («O estatuto do lesado no processo penal» inEstudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 2001 p. 690) já considerava que «a lei consagra uma solução excepcional e bem-intencionada, mas que pode ser contrária aos interesses da vítima, a diversos níveis». E o autor critica o facto de não se ter imposto expressamente «um dever de audição da vítima nestes casos, o que pareceria de elementar prudência». Com a máxima importância, acrescenta Frederico da COSTA PINTO que, todavia, esse dever tem de se considerar «implícito na condição material expressa nos preceitos: só ouvindo a vítima é na realidade possível identificar os especiais interesses (da vítima e não da pretensão sancionatória assumida pelo MP) que podem ditar a promoção oficiosa do processo». Ora, se bem se vê o problema, estas razões que impõem a audição da vítima para que o processo se promova no seu interesse, mesmo não havendo queixa, fazem-se sentir de forma acrescida quando está em causa a possibilidade de, num crime público que tem vítimas menores, se suspender provisoriamente o processo. Sendo esta doutrina já conhecida muito antes da revisão de 2007 do Código de Processo Penal, parece particularmente criticável a ausência de exigência expressa de concordância do ofendido (capaz de a manifestar) para a aplicação do n.º 8 do artigo 281.º CPP. Sobre a preponderância do interesse real do menor, a propósito do anterior regime previsto no n.º 4 do artigo 178.º do CP, afirmava Maria João ANTUNES que «o interesse que releva neste âmbito é o interesse da vítima e não, repita-se, o interesse comunitário na perseguição de crimes» («Oposição de maior de 16 anos à continuação de processo promovido nos termos do artigo 178.º, n.º 4, do Código Penal», Revista do Ministério Público, ano 26, julho-setembro de 2005, n.º 103, p. 36).