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16 DE JUNHO DE 2022

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de impunidade por parte dos violadores, justifica a consideração destes crimes como de natureza pública».

Não foram recebidos até ao momento outros pareceres.

A iniciativa legislativa em apreciação versa essencialmente sobre a opção legislativa relativa à natureza de

certos crimes sob o ponto de vista da promoção processual, defendendo-se para os crimes de violação, de

coação sexual e de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência a natureza de crimes públicos, coerente com

o princípio da oficialidade que rege a promoção processual. Opta-se por deixar vertida neste parecer a opinião

sobre tal opção, em moldes próximos do entendimento sustentado na monografia O Direito Processual Penal

Português em Mudança – Rupturas e Continuidades1.

O princípio da oficialidade vale de modo pleno relativamente aos crimes públicos, mas conhece as limitações

decorrentes da consagração generosa da necessidade de queixa do ofendido para a instauração do

procedimento criminal e, com menor frequência, da exigência de acusação particular para a sujeição do caso a

julgamento2.

Tais desvios à oficialidade têm sido explicados fazendo apelo a vários critérios, nomeadamente a menor

gravidade de certos ilícitos, a qual tornaria desnecessária a intervenção punitiva estadual se o ofendido a não

reclamar, supondo-se ainda que o reduzido desvalor da conduta não causa significativo abalo comunitário. Mas,

por outro lado e mesmo em crimes mais graves, a exigência de queixa configura-se ainda como um

reconhecimento da autonomia da vontade do ofendido em não ver expostas no processo penal questões que,

por serem eminentemente atinentes à sua intimidade ou à sua privacidade, poderiam com a sua revisitação num

processo penal indesejado levar a uma intensificação ou a uma revisitação da ofensa. Ou seja: os crimes

particulares em sentido amplo não são, necessariamente, apenas os crimes menos graves. Haverá casos em

que se poderá entender que, apesar da manifesta gravidade do crime, a existência do processo criminal deverá

depender da queixa do ofendido, mormente porque um processo indesejado lhe causará uma desproporcionada

vitimização secundária e porque o seu interesse na modelação da resposta ao crime é preponderante face ao

interesse comunitário na punição.

A opção sobre a natureza processual de vários crimes voltou a ser objeto de controvérsia político-criminal, a

propósito de crimes como a coação sexual e violação, relativamente aos quais se vem assistindo a uma

tendência para o fortalecimento da componente pública ainda que, paradoxalmente, com o argumento da

necessidade de proteção da vítima concreta.

Quanto aos crimes de coação sexual e de violação, passou desde 2015 a dispor-se no número 2 do artigo

178.º do Código Penal que «quando o procedimento pelos crimes previstos nos artigos 163.º e 164.º depender

de queixa, o Ministério Público pode dar início ao mesmo, no prazo de seis meses a contar da data em que tiver

tido conhecimento do facto e dos seus autores, sempre que o interesse da vítima o aconselhe»3.

De forma propositadamente simplificada, pode afirmar-se que um crime deve ser público quando o interesse

comunitário na persecução penal se sobrepuser ao interesse do concreto ofendido na existência ou não de um

processo penal e que, pelo contrário, um crime deverá ser particular em sentido amplo sempre que se dever

outorgar preponderância à vontade do ofendido quanto à existência do processo penal, secundarizando o

interesse comunitário. Sob este enfoque, parece paradoxal que, para proteção dos interesses das vítimas

adultas de crimes de coação sexual e de violação, se outorgue ao crime uma natureza pública. Pior: acredita-

se que há vários motivos para recear que esta se revele uma opção contraproducente à luz dos interesses das

vítimas destes crimes.

Não é por se ver nos crimes contra a liberdade sexual crimes menos graves que se optou por fazer depender

de queixa o procedimento criminal – com algumas exceções, nomeadamente quando tais crimes forem

praticados contra menores. Podem existir crimes graves – como o crime de violação – em que o legislador

conclui que a resposta punitiva não deve dar-se com alheamento pela vontade do ofendido, precisamente porque

as características da infração e a sua atinência a espaços de intimidade são adequadas a gerar uma vitimização

1 Cfr. Cláudia CRUZ SANTOS, O Direito Processual Penal Português em Mudança – Rupturas e Continuidades, Almedina: 2020, sobretudo p. 103 ss. 2 Na opinião de José de FARIA COSTA, a existência de crimes particulares em sentido estrito é «um dos afloramentos mais expressivos e sintomáticos do horizonte do consenso» (ideia que pode ser, pelo menos até certo ponto, aplicável aos crimes semipúblicos). Todavia, julga-se que, diversamente do que sucede com a suspensão provisória do processo ou com o processo sumaríssimo, esse consenso ocorre de certo modo «à margem» do processo penal. A especificidade desse consenso inerente aos crimes particulares é vista pelo Autor também como «um reforço da componente vitimológica na apreciação e realização da justiça» – é reconhecido por José de FARIA COSTA, (in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Dir. Jorge de Figueiredo Dias, comentário do artigo 207.º CP, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 124). 3 Esta redação foi introduzida pela Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto.