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II SÉRIE-A — NÚMERO 51

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Maravilha — Miguel Santos — Firmino Marques — Firmino Pereira — Alexandre Poço — António Prôa.

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PROJETO DE LEI N.º 208/XV/1.ª

CRIAÇÃO DO CRIME DE PORNOGRAFIA NÃO CONSENTIDA (QUINQUAGÉSIMA QUINTA

ALTERAÇÃO AO CÓDIGO PENAL E QUADRAGÉSIMA QUINTA ALTERAÇÃO AO CÓDIGO DO

PROCESSO PENAL)

Exposição de motivos

A pornografia não consentida é um fenómeno que ganhou contornos mais graves com a proliferação da

fotografia e do vídeo digitais e com a massificação das redes sociais online. O acesso generalizado aos meios

de produção e difusão de conteúdos online permite que, em poucos minutos, milhares de pessoas tenham

acesso, por exemplo, a uma gravação ilícita de relações íntimas de terceiros, a uma fotografia íntima, com nudez

ou semi-nudez, recebida de alguém com quem se tem uma relação casual, a um vídeo de caráter sexual

consentidamente criado por um casal.

A obtenção lícita destes materiais é matéria da vida privada. Já a sua divulgação sem consentimento ou a

obtenção de mais materiais através da ameaça de divulgação constituem crimes contra a liberdade sexual.

Neste fenómeno incluem-se as situações de pornografia de vingança («revenge porn»), em que tipicamente ex-

companheiros divulgam fotografias e vídeos de ex-companheiras em redes sociais ou em sites pornográficos

como retaliação pelo fim da relação.

Como explana a Petição (n.º 209/XIV/2.ª) que solicita «a atribuição de natureza de crime público à partilha

não consentida de conteúdos sexuais»: «As imagens são vistas pelo público geral, incluindo a família da vítima,

os seus amigos, parceiros românticos e colegas de profissão, por isso as consequências para as vítimas são

dramáticas: humilhação pública, perda de controle sobre o seu próprio corpo, impacto na autoestima e confiança,

dificuldade em encontrar novos parceiros românticos, efeitos na saúde mental, como stress, desespero,

depressão, ansiedade e trauma, perda do trabalho, assédio e stalking offline».

Os crimes atualmente previstos nos artigos 192.º (Devassa da vida privada), 193.º (Devassa por meio de

informática), 197.º (Agravação) e 199.º (Gravações e fotografias ilícitas) são insuficientes para abarcar esta

realidade social. As características que este crime ganhou com a generalização da socialização online

aconselham um tratamento adequado a este novo tempo. Este é um crime contra a liberdade sexual que deve

estar tipificado enquanto tal. E se, na simples gravação ilícita, a vítima poderá defender-se melhor através da

sua própria decisão sobre fazer ou não queixa, avaliando o seu conforto ou desconforto com a inclusão da

gravação como prova de um processo; o mesmo não sucede quando as fotografias ou vídeos são amplamente

divulgados.

O que está em causa não é o ato captado, mas a sua divulgação. Em declarações ao jornal Público, Isabel

Ventura, investigadora da Associação Portuguesa de Estudos sobre as Mulheres e da Universidade do Minho,

esclarece: «Eu até posso enviar uma fotografia nua ou seminua a uma pessoa, mas isso não a autoriza a

disseminá-la». E acrescenta que mesmo que a captação e divulgação de imagens seja feita por desconhecidos,

as consequências serão diferentes para homens e mulheres que nelas aparecerem. «Há uma dupla moral

sexual», diz a investigadora. «A exposição pública de nudez, atos sexuais ou sexualizados provoca um

downgrade na reputação das mulheres e um upgrade na reputação dos homens.»1

Frequentemente as vítimas passam muito tempo até descobrir que foram alvo de pornografia não consentida.

As pessoas que recebem ou encontram estas fotografias ou vídeos nem sempre têm conhecimento de quem é

a vítima, para a alertar, tornando impossível qualquer ação que trave a divulgação. Quando as vítimas têm

conhecimento, as ameaças e o medo da divulgação de mais materiais pode impedir a queixa. Pelo que,

considerada a divulgação pública destes materiais, a perseguição penal da divulgação de pornografia não

1 https://www.publico.pt/2017/05/22/sociedade/noticia/pornografia-nao-consentida-penaliza-mulheres-1772979