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II SÉRIE-A — NÚMERO 138

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organismo experimente estados afetivos. Evidências convergentes indicam que os animais não humanos têm

os substratos neuroanatómicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente

como a capacidade de exibir comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso das evidências indica

que os humanos não são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais

não humanos, incluindo todos os mamíferos e as aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também

possuem esses substratos neurológicos».

Tal conclusão representa o reconhecimento por parte da comunidade científica que os animais não

humanos são seres sencientes e conscientes em termos análogos aos seres humanos, sendo, por

conseguinte, dotados de sensações e sentimentos.

No âmbito do quadro normativo comunitário, o artigo 13.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia

estabelece que «na definição e aplicação das políticas da União nos domínios da agricultura, da pesca, dos

transportes, do mercado interno, da investigação e desenvolvimento tecnológico e do espaço, a União e os

Estados-Membros terão plenamente em conta as exigências em matéria de bem-estar dos animais, enquanto

seres sensíveis, respeitando simultaneamente as disposições legislativas e administrativas e os costumes dos

Estados-Membros, nomeadamente em matéria de ritos religiosos, tradições culturais e património regional».

A disposição legal supracitada encontra eco na legislação nacional, mais concretamente no artigo 201.º-B e

C do Código Civil que dispõem que «os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção

jurídica em virtude da sua natureza» e que «a proteção jurídica dos animais opera por via das disposições do

presente código e de legislação especial».

Contudo, não existe proteção jurídica bastante para os animais animal na criação, transporte e abate para

alimentação e na exploração de animais para trabalho e entretenimento, apesar do Estatuto Jurídico próprio

dos animais introduzido no Código Civil pela Lei n.º 8/2017, de 3 de março, e do n.º 1 do artigo 1.º da Lei de

Proteção aos Animais prever expressamente a proibição de «todas as violências injustificadas contra animais,

considerando-se como tais os atos consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento cruel e

prolongado ou graves lesões a um animal», bem como o abandono intencional «na via pública animais que

tenham sido mantidos sob cuidado e proteção humanas, num ambiente doméstico ou numa instalação

comercial ou industrial» [alínea d) do n.º 3 do artigo 1.º do diploma mencionado].

Continuam assim a inexistir mecanismos de prevenção e de combate aos maus-tratos e abandono no que

concerne aos animais de pecuária (também denominados animais de quinta) e animais selvagens para os

quais a recuperação e devolução ao seu habitat natural já não é possível.

Com os atuais parâmetros do nosso ordenamento jurídico, os vulgos animais de quinta – equídeos,

bovinos, caprinos, suínos, entre outros – quando perante um quadro de incumprimento das regras de bem-

estar animal podem ser destinados ao abate por decisão de autoridade administrativa. Nos casos em que os

animais se encontrem saudáveis ou numa situação de eventual recuperação, esta decisão de abate conflitua

com a proteção ínsita no estatuto jurídico dos animais. Deveria a autoridade administrativa nessa situação

determinar a apreensão dos animais com subsequente designação de fiel depositário. Porém, tal não acontece

por inexistência de infraestruturas para o efeito, o que deriva no abate desnecessário e desadequado de

animais saudáveis, atentando, deste modo e como foi dito acima, diretamente contra o quadro legal atual.

Casos como os ocorridos nos concelhos de Aljustrel e de Ferreira do Alentejo, no final de 2019, onde 104

cavalos1 foram apreendidos pela GNR, tendo, porém, os animais, continuado nas mesmas explorações, e

muitos morrido face a um cenário de absoluta ausência de condições e de subnutrição, demonstram a total

incapacidade de resposta por parte do Estado para fazer face a este tipo de situações.

É percetível que é essencial a criação de um enquadramento jurídico específico que estabeleça os

pressupostos necessários com vista à criação e manutenção de locais de acolhimento de animais de quinta e

de animais selvagens que não possam regressar à natureza – santuários ou refúgios de vida animal –

definindo para tal as caraterísticas próprias que deverão ter estes locais, com consequente viabilização da sua

criação.

Atualmente, para se proceder à criação de um santuário de animais de quinta, é obrigatória a inscrição

como exploração de animais de pecuária, o que não faz qualquer sentido e demove a criação de futuros

espaços para acolhimento e alojamento nestas condições. Por seu turno, no que diz respeito aos animais

1https://tvi24.iol.pt/geral/15-11-2019/cavalos-mortos-em-exploracao-onde-foram-encontrados-depois-de-denuncia?fbclid=IwAR07FTZFTgSdQOv3p2e3PA_4qItNER9zPJHjM7txtReeWw28EBP3rLtMqCA