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II SÉRIE-A — NÚMERO 251

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drogas (…) e, (…) a descriminalização da detenção (ou posse) e da aquisição dessas drogas para esse consumo

privado.»

Com este modelo remeteu-se o consumo para o direito de mera ordenação social, reconhecendo-se, como

evidencia Eduardo Maia Costa2, que «nenhum bem jurídico-penal subjaz ao consumo pessoal condição de

criminalização de qualquer conduta.» e afirmou-se a primazia de uma intervenção orientada para o tratamento

dos toxicodependentes e a aplicação de programas destinados à redução de danos e riscos.

Dispôs-se no artigo 2.º da Lei n.º 30/2000 que «1 – O consumo, a aquisição e a detenção para consumo

próprio de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas referidas no artigo anterior

constituem contraordenação.» e que «2 – Para efeitos da presente lei, a aquisição e a detenção para consumo

próprio das substâncias referidas no número anterior não poderão exceder a quantidade necessária para o

consumo médio individual durante o período de 10 dias.»

Apesar de existir na doutrina o entendimento de que esta referência à «a quantidade necessária para o

consumo médio individual durante o período de 10 dias» constitui mero indício de que, sendo o valor inferior, o

propósito seria o de consumo e, sendo o valor superior, o propósito seria o de tráfico (pelo que poderia existir

tráfico mesmo que a pessoa detivesse quantidade inferior e a hipótese poderia ser de consumo quando se

detivesse quantidade superior), o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de Fixação de Jurisprudência

8/2008, entendeu que «Não obstante a derrogação operada pelo artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de

novembro, o artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, manteve-se em vigor não só «quanto

ao cultivo» como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou

preparações compreendidas nas Tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio

individual durante o período de 10 dias.»

O que sucede, pois, em consequência da vigência do referido Acórdão é que a aquisição e a detenção de

droga, mesmo que para consumo próprio, constitui crime de consumo, nos termos do artigo 40.º, n.º 2, do

Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, desde que seja em quantidade superior à necessária para o consumo

médio individual durante o período de 10 dias.

«Em matéria penal (e no direito sancionatório em geral), há princípios retores, imanentes, que comandam a

teoria do direito penal, desde a formulação à interpretação das respetivas normas: o princípio da legalidade e

as especificidades da interpretação das normas de direito penal, nomeadamente a proibição da analogia.»,

escrevia o Juiz Conselheiro António Henriques Gaspar, ex-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, no seu

voto de vencido no referido Aresto.

Como refere Figueiredo Dias3 «por mais socialmente nocivo e reprovável que se afigure um comportamento,

tem o legislador de o considerar como crime (descrevendo-o e impondo-lhe como consequência jurídica uma

sanção criminal) para que ele possa como tal ser punido. Esquecimentos, lacunas, deficiências de

regulamentação ou de redação funcionam por isso sempre contra o legislador e a favor da liberdade, por mais

evidente que se revele ter sido intenção daquele (ou constituir finalidade da norma) abranger na punibilidade

também certos (outros) comportamentos».

A este propósito, como sintetiza António Henriques Gasparno referido voto vencido «uma vez que

anteriormente à Lei n.º 30/2000 nunca o consumo fora punido nos termos das restantes atividades de largo

espectro da tipicidade do artigo 21.º (ou dos artigos 25.º ou 26.º) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, a

superação por tal modo de um hipotético «vazio legislativo», isto é, «a punição de quem detenha droga para

consumo em quantidade superior à referida no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 30/2000», como conclui Rui Pereira4

«só pode resultar de uma aplicação analógica de normas incriminadoras, expressamente proibida pelo artigo

29.º, n.os 1 e 3, da Constituição (e pelo artigo 1.º, n.os 1 e 3, do Código Penal).»

Dúvidas não restam, pois, que «a norma do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000 é peremptória, direta, e com alcance

imediatamente apreensível por si — o artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, foi expressamente

revogado, exceto — o que também é direto e imediato — no que se refere ao cultivo de plantas para consumo

privado próprio»como inequivocamente conclui António Henriques Gaspar.

Esta foi, pois, a vontade inequívoca do legislador, pelo que, «o exercício metodológico que conduziria a

manter parcialmente em vigor uma norma expressamente revogada, restringindo o sentido da revogação,

2 «Consumo de Estupefacientes: Evolução e Tensões no Direito Português», in Revista JULGAR, n.º 32, Almedina, 2017, pág. 170. 3 Direito Penal — Parte Geral, Tomo I, «Questões fundamentais. A doutrina geral do crime», 2004, p. 168. 4 «A descriminalização do consumo de droga», in Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, p. 1172.