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18 DE JULHO DE 2023

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vertente do princípio da tipicidade.

Escusado lembrar que a lei penal tem de estabelecer de forma precisa os limites da conduta criminosa

(nulum crimen, nulla poena sine lege certa), princípio este que parece estar posto em causa nestas propostas

de alteração, ao não se saber, com rigor e com certeza, quando é que a detenção e aquisição em quantidade

superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias constitui, ou não, crime

de tráfico.

Exemplificando: um consumidor que seja encontrado com 50 gramas de cocaína pratica, ou não, um crime

de tráfico?

Com a legislação atualmente em vigor, temos a certeza de que sim, porque é uma quantidade bastante

superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias (segundo o disposto no

artigo 9.º e respetivo mapa anexo da Portaria n.º 94/96, de 26 de março, os limites quantitativos máximos para

cada dose média individual diária de cocaína são de 0,2 gramas).

Com a proposta de alteração agora aprovada, não sabemos – apenas sabemos que a detenção dessa

quantidade de droga constitui mero indício de que o propósito poderá não ser o de consumo.

Mas a partir de que quantidade é que a conduta passa a constituir crime de tráfico e não de destina

exclusivamente ao consumo próprio? Também não sabemos.

É esta indefinição que faz com que a proposta do PS, da IL, do PAN e do L nos suscite problemas de

constitucionalidade.

Note-se que, nos termos do artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que aprova o

regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, só há crime de

tráfico «fora dos casos previstos no artigo 40.º» e, neste enquadramento, como interpretar a proposta

aprovada para o n.º 3 do artigo 40.º que se limita a dizer a aquisição e a detenção para consumo próprio das

plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas Tabelas I a IV que exceda a quantidade necessária

para o consumo médio individual durante o período de 10 dias constitui mero indício de que o propósito pode

não ser o de consumo?

Ora, está bom de ver que a fronteira entre o que é crime e o que não é crime não se encontra bem definida,

suscitando os problemas de constitucionalidade já apontados.

Importa aqui trazer à colação o parecer do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), emitido no

âmbito deste processo legislativo, que considera que o apelo ao conceito de indícios (para permitir ao

aplicador da lei concluir que a aquisição e a detenção para consumo próprio das substâncias compreendidas

nas Tabelas I a IV em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante 10 dias

possa não ser considerada para consumo) «não será o mais desejável numa norma de natureza punitiva», na

medida em que se trata de um conceito de natureza eminentemente «probatória, a exigir uma avaliação do

caso concreto e, portanto, não adequado para a definição daquilo que deve ou não consubstanciar a prática

de um crime».

Salienta o parecer do CSMP que esta alteração «poderá ainda, no limite, levar a um agravamento da

insegurança jurídica, pois poderá dificultar gravemente a atuação dos órgãos de polícia criminal e do Ministério

Público perante situações de deteção de quantidades significativas de droga ou substâncias estupefacientes»

e exemplifica: «se um cidadão for intercetado tendo na sua posse 250 gramas de cocaína, na ausência de

quaisquer outros elementos indiciários ou probatórios (que não o elemento quantitativo) e invocando aquele

que todo esse seu produto se destina ao consumo próprio, como deverão agir o órgão de polícia criminal e/ou

a autoridade judiciária?

Não corremos o risco de, por essa via, estar a isentar de responsabilidade criminal situações que

presentemente caem no âmbito da punição do tráfico, por via da mera posse de droga ou substâncias

estupefacientes?»

Estamos em crer que não é, de todo, desejável que, no domínio penal, subsistam este tipo de dúvidas e de

incertezas, razão pela qual o PSD votou contra as alterações aos artigos 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22

de janeiro, e 2.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro.

Palácio de São Bento, 18 de julho de 2023.