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II SÉRIE-A — NÚMERO 19

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arrendamento, o Governo do PSD/CDS-PP dedicou-se a aprofundar as medidas que transformaram Portugal

num paraíso para fundos imobiliários, vistos gold, nómadas digitais e residentes não habituais. Esta política

produziu os resultados pretendidos. À medida que os preços dos imóveis disparavam, multiplicaram-se também

as entidades dispostas a lucrar com a especulação.

Em 2015, quando o PS chegou ao poder, a habitação já era uma bomba-relógio, mas nada impediu o novo

Governo de manter as leis que promovem a venda de imóveis a capitais estrangeiros. Com o apoio da direita, o

ex-Ministro Siza Vieira apostou mesmo na criação de novas formas de exploração financeira do imobiliário, com

a constituição das SIGI, sociedades de investimento e gestão imobiliária. Este foi o contexto perfeito para o

crescimento do negócio, num período em que a política de juros baixos (e até negativos) empurrava os capitais

internacionais para a rentabilidade garantida do imobiliário.

A crise da habitação não é, assim, uma singularidade portuguesa, mas o fruto da conjugação entre a

liberalização dos mercados de habitação e a política monetária expansionista, à saída de uma crise financeira

que reduziu as taxas de rentabilidade do capital financeiro. Os Governos portugueses só agravaram esta

tendência, com as suas políticas de privilégio e desigualdade.

Com o apoio da legislação europeia, o imobiliário transformou-se numa classe de ativos para investidores

institucionais internacionais. Num estudo recente sobre a financeirização do mercado imobiliário na Europa1, os

economistas Daniela Gabor e Sebastian Kohl, concluem que: «os imóveis residenciais da Europa tornaram-se

uma classe de ativos atraente para investidores em todo o mundo, apoiados por uma série de políticas

governamentais que visam ostensivamente os proprietários de imóveis: o apoio aos mercados imobiliários

aumenta os preços das casas e reduz a acessibilidade para os cidadãos, enquanto o apoio à renda para famílias

que pagam aluguer garante retornos estáveis para os investidores».

Segundo o Banco de Portugal, a evolução do número de não residentes marcou o mercado imobiliário em

Portugal. Em junho de 2022, os não residentes representavam 11,7 % do valor das transações, que estão

particularmente concentradas em Lisboa, Porto e Algarve. Em particular, na área de reabilitação urbana de

Lisboa, foram transacionados 1656 imóveis por não residentes em 2021. Só no primeiro semestre de 2022,

foram 801 imóveis (+35 % do que no mesmo período de 2021), sendo que o valor médio dessas transações por

não residentes é 95 % superior ao das transações feitas por residentes. Esta tendência é acompanhada pelo

aumento verificado na atribuição de vistos gold. Em 2022, foram concedidos 725 vistos gold em Lisboa (+55 %

do que 2021) e 215 no Porto (+216 % do que em 2021).

Este processo de gentrificação e financeirização da habitação motivou a mobilização de cidadãos e

autoridades locais em várias cidades europeias. Em Barcelona e Berlim criaram-se políticas para o controlo das

rendas, enquanto em Amesterdão se optou por limitar o alojamento local e por medidas que impedem a compra

de casas para outros fins que não a habitação permanente. No Canadá, o Governo do Partido Liberal proibiu a

venda de edifícios residenciais a estrangeiros, medida que já tinha sido implementada na Nova Zelândia e que,

recentemente, será também uma realidade nas ilhas de Ibiza, Maiorca e Menorca. Os defensores destas

medidas, cuja aplicação tem sido dificultada pelo poder dos interesses imobiliários, invocam o mesmo

argumento: a concorrência do capital financeiro e de não residentes endinheirados torna os preços das casas

incomportáveis para os cidadãos locais. Se esta é a realidade no Canadá, nos Países Baixos, na Alemanha ou

na Catalunha, mais o é em Portugal, onde os salários não competem nem com o poder financeiro dos fundos

de investimento, nem como os rendimentos pessoais atraídos pelos regimes dos vistos gold, dos benefícios

fiscais a residentes não habituais, ou a especuladores.

A procura externa, alicerçada em rendimentos de capitais ou pessoais sem comparação em Portugal, não só

contribui para a inflação dos preços da habitação, como demonstra o Banco de Portugal, como inviabiliza as

tímidas medidas destinadas a promover a habitação, desviando recursos e vontades para os segmentos

turísticos e de luxo.

Como demonstram as experiências internacionais, o processo de inflação imobiliária requer medidas

excecionais, destinadas a proteger o direito à habitação. Para além da revogação das medidas de atração de

capital estrangeiro no imobiliário português, o Bloco de Esquerda vem propor a proibição da compra de imóveis

destinados à habitação por não residentes, sempre que estes se localizem em zonas de pressão urbanística.

Esta medida, adotada recentemente, em diferentes versões, pelos Governos dos Países Baixos e do Canadá,

justifica-se pelo reconhecimento da situação de grave violação do direito constitucional à habitação, em nome

1 My home is an asset class. 2022