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26 DE MARÇO DE 2024

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parte dos Estados-Membros aos animais, enquanto seres «sensíveis»4:

«Na definição e aplicação das políticas da União nos domínios da agricultura, da pesca, dos transportes, do

mercado interno, da investigação e desenvolvimento tecnológico e do espaço, a União e os Estados-Membros

terão plenamente em conta as exigências em matéria de bem-estar dos animais, enquanto seres sensíveis,

respeitando simultaneamente as disposições legislativas e administrativas e os costumes dos Estados-

Membros, nomeadamente em matéria de ritos religiosos, tradições culturais e património regional»5 (sublinhado

nosso).

Em Portugal, desde 2017, por força da Lei n.º 8/17, de 3 de março, que alterou o Código Civil, que aos

animais é reconhecido um estatuto jurídico próprio (em geral, não limitado aos animais de companhia como a

tutela penal conferida pela Lei n.º 69/2014), dissociando-os do regime das coisas e reconhecendo que «os

animais são seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza»

(vide artigo 201.º-B do Código Civil).

Reconheceu igualmente o legislador, que o direito de propriedade deve assegurar ao animal «o seu bem-

estar e respeitar as características de cada espécie e observar, no exercício dos seus direitos, as disposições

especiais relativas à criação, reprodução, detenção e proteção dos animais e à salvaguarda de espécies em

risco, sempre que exigíveis» (n.º 1 do artigo 1305.º-A do Código Civil).

Dispõe o n.º 2 do artigo 1305.º-A do Código Civil que assegurar o bem-estar animal deve compreender

«garantia de acesso a água e alimentação de acordo com as necessidades da espécie em questão» [alínea a)]

bem como «a garantia de acesso a cuidados médico-veterinários sempre que justificado, incluindo as medidas

profiláticas, de identificação e de vacinação previstas na lei» [alínea b)].

Pela primeira vez, o direito de propriedade foi ainda limitado, em razão de um bem jurídico prevalecente – o

bem-estar animal- tendo o legislador determinado no n.º 3 do artigo 1305.º-A do Código Civil que «o direito de

propriedade de um animal não abrange a possibilidade de, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou

quaisquer outros maus-tratos que resultem em sofrimento injustificado, abandono ou morte».

Por outro lado, a Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, representa um caminho muito importante na evolução do

direito animal em Portugal e um importante passo ao nível sancionatório, que teve como propósito resolver o

que havia sido deixado de fora da proteção penal existente, respondendo a necessidades prementes de

prevenção geral.

Desta forma, aditou-se ao Código Penal um novo Título VI, designado «Dos Crimes contra Animais de

Companhia». Este avanço no plano do direito penal, acompanhado da evolução ao nível do direito civil, revestiu-

se de grande importância.

Acontece, porém, que a tutela penal dos animais de companhia, um avanço significativo que mereceu

alargado suporte parlamentar e que se baseia num indubitável clamor social, desde 2021 ficou em sério risco

na sequência de várias decisões do Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta, que julgaram

inconstitucionais estas normas e levaram o Ministério Público a desencadear o processo destinado a declarar a

inconstitucionalidade geral e abstrata da lei.

Na sequência de tal processo resultou o Acórdão n.º 70/2024, de 23 de janeiro, por via do qual o Tribunal

Constitucional, em sede de fiscalização sucessiva, afastou esses riscos ao decidir-se pela não declaração da

inconstitucionalidade das normas incriminatórias contidas no artigo 387.º do Código Penal, na redação

introduzida pela Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, e no artigo 387.º, n.º 3, do Código Penal, na redação

introduzida pela Lei n.º 39/2020, de 18 de agosto. Neste acórdão o Tribunal Constitucional considerou que a

tutela da defesa do bem-estar animal faz parte da Constituição material e integra o conjunto de valores com

reflexo nas referidas normas incriminatórias, a verdade é que deixou uma grande margem de incerteza ao não

obrigar nenhum juiz a seguir o mesmo entendimento, o que significa que os magistrados de qualquer tribunal

criminal poderão recusar-se a condenar os arguidos acusados dos crimes de maus-tratos a animais.

Mesmo antes desta decisão, o Procurador do Ministério Público no Tribunal Constitucional, José Manuel

Ribeiro de Almeida, defendeu num artigo publicado na Revista do Sindicato de Magistrados do Ministério Público

que a lei em apreço em tudo respeita a lei fundamental.

Para Ribeiro de Almeida, a questão do princípio constitucional que poderá justificar a criminalização dos

4 Com antecedentes no Protocolo n.º 13 do Tratado de Amesterdão (1997). 5 Jornal Oficial da União Europeia, C 115/47, de 09.05.2008.