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19 DE SETEMBRO DE 2024

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e de respeito pela autonomia da mulher.

O direito à IVG, como todos os direitos, deve ser efetivamente assegurado. É ao Estado que compete verificar

se dever de proteção relativamente a este direito merece reparos e se há razões para ajustes legislativos para

que nenhum direito fique na letra da lei.

Como é público, as auditorias simultâneas levadas a cabo pela Inspeção-Geral de Saúde (IGS) e pela

Entidade Reguladora da Saúde (ERS) concluíram que o direito ao acesso à interrupção de gravidez no SNS é

violado em várias unidades de saúde, com prazos desrespeitados em pelo menos 20 % dos pedidos. Quanto

aos objetores, as auditorias contradizem-se.

Certo é que lendo os dados da IGAS ou os da ERS, Portugal tem uma percentagem de médicos objetores

altíssima, de tal forma que o número de hospitais que não efetuam IVG impede, de facto, em vários casos, o

exercício desse direito. A discriminação socioeconómica e territorial de várias mulheres é evidente e, em casos

paralelos, o Comité Europeu dos Direitos Sociais entendeu-o como violação do direito à saúde das mulheres.

De acordo com o Processo de Inspeção aos Estabelecimentos de Saúde Oficiais no âmbito da Interrupção

da Gravidez da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde, datado de agosto de 2023, «27 estabelecimentos

oficiais de cuidados de saúde hospitalares (de Portugal continental) realizam todos os atos respeitantes à

interrupção da gravidez previstos [no artigo 142.º do Código Penal (Interrupção de gravidez não punível)] e sete

realizam apenas os atos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 142» (ou seja, efetuam todos os tipos

de IG menos a prevista na alínea e) do artigo: «A interrupção de gravidez que for realizada, por opção da mulher,

nas primeiras 10 semanas de gravidez.» Ora, isto acontece porque a objeção de consciência é exercida muitas

vezes apenas quanto à IVG até às 10 semanas, consubstanciando um juízo sobre a consciência da mulher.

Quando os profissionais de saúde manifestam objeção de consciência apenas em relação ao aborto por

opção da mulher, estando disponíveis para o realizar noutras situações, tal, para vários autores, consubstancia,

na verdade, obstrução de consciência, porque discorda-se da decisão das mulheres e tenta-se impedi-las de

exercer o seu direito.

A objeção de consciência corresponde ao exercício de um direito com guarida constitucional, que

respeitamos, mas não pode servir de fundamento para privar as mulheres de um direito cuja negação ou atraso

pode colocar as suas vidas em risco.

O grupo de trabalho do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre a discriminação prática da mulher na

lei espanhola alerta que a deficiente regulação da objeção de consciência constitui um obstáculo para as

mulheres quando exercem o seu direito de aceder a todos os serviços de saúde sexual e reprodutiva.

Deve, também por isso, ficar claro que o direito de objeção de consciência é um direito individual e não

institucional.

Um dos elementos apontados pelos inquéritos e estudos efetuados à lei como dilatórios de uma decisão

individual da mulher é a intervenção de dois médicos antes da IVG, bem como o período de reflexão, o qual, de

resto, é paternalista. As mulheres, quando agendam uma IVG, sabem o que querem e por que o querem fazer.

Não encontramos qualquer argumento válido para a intervenção de dois médicos em vez de um só nem para a

manutenção de uma «reflexão» forçada.

Finalmente, o prazo legal máximo de dez semanas para a realização da IVG em Portugal é o mais restritivo

de toda a Europa, o que desconsidera as recomendações da Organização Mundial de Saúde. É também por

causa deste limite raro, e historicamente traçado nos termos conhecidos, que há tantos relatos traumáticos em

que exercer o direito a uma IVG é uma corrida contra o tempo, acabando muitas vezes por se verificar que não

se consegue aceder à IVG dentro do período gestacional legal. Entendemos, também, que à semelhança do

exercício de outros direitos, e acompanhando, nomeadamente, a nossa vizinha Espanha, não faz sentido que

aos 16 anos uma mulher seja obrigada a continuar uma gravidez por falta de consentimento alheio.

Pretende-se manter o essencial da lei atual, alterando apenas aquilo que os estudos e a prática têm

demonstrado ser de alteração urgente, sob pena de um direito que pode decidir da vida das mulheres não

passar, em muitos casos, de uma enunciação vazia.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Grupo

Parlamentar do Partido Socialista apresentam o seguinte projeto de lei: