27 DE NOVEMBRO DE 1990
61
O Sr. Secretário de Estado da Cultura: — Sr.* Deputada, se me permite nova interrupção —há pouco distraí-me e, lamentavelmente, fiz quase uma intervenção em vez de uma mera interrupção—, quero lembrar-lhe que há ainda cerca de 300 000 contos. Como sabe, a tutela do Teatro de São Carlos é dupla: do Ministério üas Finanças e da Secretaria de Estado da Cultura.
Portanto, aí o funcionamento está assegurado. Não chega ter o Teatro de São Carlos aberto mas sem funcionar... No entanto, essas verbas da Secretaria de Estado da Cultura e da Secretaria de Estado do Tesouro dão para as despesas de funcionamento.
Posso dizer-lhe que temos, no próximo dia 28, quarta--feira, uma solução relativamente imaginosa — não é muito —, a que também os órgãos de soberania às vezes têm de recorrer, porque temos uma iniciativa no Teatro de São Carlos destinada — cujos resultados estão praticamente alcançados —a garantir que um conjunto de empresas públicas, mas principalmente privadas, assegurem o apoio à produção e à temporada de 1991 do Teatro de São Carlos. Isso será um primeiro passo no caminho que, julgamos, o Teatro de São Carlos deve trilhar — a tal fundação com estatuto misto, que ainda estamos a estudar.
A Oradora: — Sr. Secretário de Estado, tive ainda a informação de que teriam sido transferidos do IPC (Instituto Português de Cinema), já este ano, 75 000 contos para o Teatro de São Carlos — e este ano não houve temporada no Teatro de São Carlos. Estamos a preparar a temporada do próximo ano, mas, de facto, para todos os efeitos, o Teatro de São Carlos tem estado parado, inactivo. A orquestra, o ballet e o coro não sabem o que fazer e os directores artísticos também não, porque não têm indicações, não têm dinheiro, nem sabem o que vai acontecer-lhes.
Relativamente à Biblioteca Nacional, também houve uma redução, tal como a própria directora o disse, numa entrevista ao Diário de Notícias, no passado dia 18: «O Orçamento do Estado para 1991 regista uma melhoria que, na prática, poderá acarretar uma diminuição em relação aos anos anteriores, tendo em conta a inflação.»
Sei, no entanto, que a Biblioteca Nacional não tem verbas para horas extraordinárias, que já teve de reduzir o horário de funcionamento e que deixou de ir a leilões, porque não tem dinheiro para poder competir no mercado e assim adquirir ou melhorar o seu espólio. Portanto, a sua situação parece-me realmente catastrófica.
Quanto ao Instituto Nacional de Arquivo, também sei que não tem pessoal nem dinheiro, que está a ser mantido por fundações, designadamente pela Fundação Oriente.
Relativamente à rede de bibliotecas públicas, foi-me dito, em sede da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, pela Sr.* Subsecretária de Estado da Cultura, que a redução das suas verbas se devia ao facto de não ter havido novas candidaturas por parte das câmaras. Mas tenho conhecimento de câmaras que se candidataram durante anos seguidos e cuja candidatura foi sempre rejeitada, pelo que parece haver o desejo de as câmaras terem uma biblioteca municipal embora não tendo tido o devido apoio. Ora, lendo em conta que este projecto dos arquivos e do projecto da rede de bibliotecas públicas foram realmente duas apostas da anterior Secretária de Estado da Cultura, pergunto se isto significa uma demarcação e o considerar que estes projectos afinal não eram tão válidos como isso.
Por outro lado e em relação à rede de bibliotecas públicas, também tendo em conta que o Sr. Secretário de Estado definiu como terceira prioridade a promoção da
língua portuguesa; será assim que se promove a língua portuguesa, que se promove o gosto pela leitura e pelo livro, não apetrechando as bibliotecas, não cobrindo todo o país com uma rede de bibliotecas públicas? E mais: que outros meios é que o Sr. Secretário de Estado tem previstos para aplicar na promoção da língua portuguesa?
Por exemplo, em relação à Academia das Ciências — já fiz esta pergunta inúmeras vezes —, gostaria de saber qual é a verba que lhe está atribuída. Uma vez que no Orçamento estão previstos 80 000 contos para as três academias, não sei qual é a verba para a Academia das Ciências. Sabemos que com a assinatura do acordo ortográfico a Academia das Ciências necessitará obrigatoriamente — e para isso precisa de ter dinheiro — de publicar um vocabulário técnico e cientifico, terá de publicar um dicionário actualizado e outros cânones da língua. Portanto, precisará de uma verba suplementar; de contrário, não terá meios para produzir esses instrumentos.
Mais: também decorre da assinatura do acordo ortográfico — penso eu — a necessidade de estar previsto um subsídio para os editores, porque, como sabe, Sr. Secretário de Estado, haverá fotolitos que são irrecuperáveis, haverá todo um investimento que foi feito ao longo de anos e que não poderá mais ser utilizado, que ficará perdido. Não penso que haja necessidade de grandes cautelas com os livros que estejam em armazém, porque esses têm rotatividade e a sua vida é muito efémera, mas, em relação aos fotolitos e a todos os outros materiais que vão ser inutilizados, penso que o Orçamento do Estado deveria prever uma verba para apoio a essa classe profissional. Parece-me que o acordo ortográfico beneficia a toda a comunidade; do meu ponto de vista, naturalmente, não pode haver um grupo que seja penalizado por isso.
E já agora aproveitava para pedir a confirmação de uma afirmação que o Sr. Secretário de Estado fez: a de que o acordo ortográfico seria aprovado por decreto-lei e que não viria à Assembleia da República. Não tenho competência para discutir a constitucionalidade dessa medida porque não sou jurista, tenho algumas dúvidas sobre ela, tratando--se como se trata de um tratado internacional e tendo em conta a revisão da Constituição, que no artigo 9.°, alínea /), indica como tarefa fundamental do Estado a promoção e a divulgação da língua portuguesa.
Deixo, pois, estas interrogações ao Sr. Secretário de Estado, que, aliás, é jurista, e, portanto, tem mais obrigação do que eu de perceber disso.
O Sr. Secretário de Estado da Cultura: — Obrigações, tenho.
A Oradora: — Mas é uma preocupação que lhe deixo.
Tenho sempre muita dificuldade no debate do Orçamento na especialidade —e já o ano passado fui criticada porque utilizei uma boa fatia de tempo—, em, com pouco tempo, esclarecer tudo aquilo que são as minhas preocupações e as minhas dúvidas.
Por exemplo, em relação ao Museu Nacional de Arte Contemporânea, o que é feito do espólio deste Museu? Sei que anda repartido pelos gabinetes e pelos corredores dos ministérios, etc. Até sei que está um Portinari no gabinete do presidente do Instituto Português do Património Cultural!... E não vale a pena agora listar mais coisas, mas...
O Sr. Secretário de Estado da Cultura: — A Sr.* Deputada sabe tudo!...
Risos.