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II SÉRIE-C — NÚMERO 9
debate noutro momento que não neste. De qualquer forma, ficou claro — e, aliás, o governador do Banco dc Portugal tem voltado a insistir nesse ponto— que há, de certa maneira, uma neutralidade da política orçamental cm matéria de combate à inflação, que a política de rendimentos, mesmo no quadro do acordo dc concertação social, tem duvidosa eficácia nesse combale c que a política cambial dificilmente poderá ir além daquilo que já foi, ou seja, de uma valorização real do escudo, muito expressiva nos últimos tempos.
A primeira questão que gostaria de colocar é no sentido de saber como é possível compatibilizar esta, cu não diria dramática, mas importante tarefa que a política monetária vai ter de desempenhar, para a desinflação em Portugal, ou pelo menos para evitar que a inflação progrida, com as expectativas, apesar de tudo, claramente optimistas que o Governo aponta em matéria de crescimento económico e dc crescimento da procura interna.
O segundo ponto tem a ver com o problema tradicional da subavaliação das receitas. Julgo que — inclusivamente, nos últimos dias, alguns artigos têm-no demonstrado — começa a não ter qualquer credibilidade e é atingida dc algum ridículo a ideia de que subestimar receitas é sistematicamente um sinónimo de rigor e um aspecto positivo para a política orçamental e para a política económica em geral. Fazendo uma comparação com a situação nos últimos anos, as conclusões que podemos tirar sobre a inflação prevista e sobre aquilo que se passa neste Orçamento é que, desse ponto de vista, não se avançou substancialmente em relação a orçamentos anteriores e, portanto, nesta matéria, as receitas continuarão a estar fortemente subavaliadas c hoje já houve aqui momentos em que veio à superfície essa subavaliação.
Em terceiro lugar, quanto ao IRS, devo dizer que vejo com alguma satisfação que houve, dc certa maneira, um recuo por parte do Governo na imagem política que o Primeiro-Ministro deu na conferência dc imprensa que realizou antes da entrega do Orçamento do Estado à Assembleia da República. Essa conferência de imprensa — que motivou, correctamente, nessa fase, a posição do PS no sentido dc dizer que se estava a agir, cm matéria orçamental, com pleno eleitoraJismo— foi feita antes dc que tivéssemos tido acesso a dados concretos. E, realmente, com os dados concretos, aquilo que se verifica é que, em termos dc IRS, não há o tal desagravamento substancial que eslava implícito nessa conferência dc imprensa c que deu lugar a uma grande propaganda, como já aqui foi dito pelo meu camarada Manuel dos Santos. Nesse sentido, é positivo que tenha havido um recuo da imagem global do Governo nesta matéria, embora eu reconheça que o Sr. Ministro das Finanças não contribuiu cm nada para essa imagem, vislo que, nas poucas vezes cm que leve ocasião de falar em público sobre essa matéria, procurou acentuar, fundamentalmente, a qucsião do rigor.
Em quarto lugar, gostaria de me referir ao IRC. Quando aqui estiveram os representantes do Banco dc Portugal um dos aspectos mais interessantes da reunião então realizada foi o facto de ter sido dito — e devo dizer que não estou de acordo com tudo aquilo que foi dito pelos representantes do Banco de Portugal, nessa reunião, mas houve alguns aspectos que achei particularmente interessantes sobre a responsabilidade, se assim se pode dizer, da inflação — que a responsabilidade da inflação em Portugal, nos últimos anos, não pode ser colocada nem na evolução dos salários, nem na evolução da inflação importada, mas terá de siluar--se, fundamentalmente, num excedente e, portanto, nos
lucros. Ora, neste contexto, do meu ponto de vista, é completamente estranha c absurda a redução da taxa do IRC, se isto realmente é verdade. Se há uma responsabilização por parte desta componente do valor acrescentado no desenvolvimento da inflação, como é que é justificável este desagravamento fiscal em sede de IRC?
Em quinto lugar, julgo também que até agora, neste debate —e este é um aspecto que foi também bastante falado na altura em que o Orçamento foi lançado para a opinião pública —, se disse que as despesas sociais iriam aumentar muito. O que se verifica é que se se compararem as previsões de despesas sociais com a execução orçamental e não com o Orçamento do ano passado, não se verifica nem um aumento em termos reais, nem um aumento da sua percentagem no produto. Assim, julgo que esse é também um dos aspectos conclusivos, até esta fase do debate, que vai contra uma certa imagem pública que foi dada a este Orçamento na sua fase de lançamento e antes da sua entrega na Assembleia da República.
Ainda sobre a questão dos juros da dívida pública queria salientar alguns aspectos do debate que hoje aqui travámos e que me parecem importantes. Em primeiro lugar, noia--se uma hesitação importante por parte do Governo sobre se há ou não, na afectação das despesas para juros da dívida pública, a garantia de que essa afectação chegará para a evolução da política monetária e da política económica em geral do nosso país. E isso é relativamente preocupante, porque estamos a discutir em sede do Orçamento. Em segundo lugar, gostaria dc chamar a atenção para o facto dc o relatório que acompanha o Orçamento, em matéria de política monetária, ficar muito longe das conclusões que têm sido expressas pelo Sr. Governador do Banco de Portugal nos últimos dias. É que fica a quilómetros de distância, em matéria de reflexão sobre aquilo que se vai passar do ponto de vista das laxas de juro, tanto em termos dc taxas de juros activas, como de taxas de juro passivas!
Por outro lado, gostaria de salientar que a última intervenção do Sr. Secretário de Estado Carlos Tavares contradiz totalmente a argumentação ou o aspecto essencial da argumentação que o Sr. Ministro das Finanças utilizou aqui para rebater a proposta do PS quando dizia que iria haver um aumento da despesa c não uma redução, devido ao efeito mecânico que um aumento — reparem — de 1 % na taxa nominal dos depósitos a prazo iria ter sobre os juros da dívida pública. Por consequência, esta questão — que, aliás, nós temos vindo a defender— parecc-me extremamente exemplar.
Outro aspecto sobre o qual também gostaria de ouvir o Sr. Ministro das Finanças antes da reunião terminar é o da dotação provisional e da capacidade que essa datação irá ou não ter em relação às respostas imprevisíveis e a algumas previsíveis, visto que a negociação com os sindicatos da função pública decorreu já depois de ter sido apresentada a proposta do Orçamento. Aquilo que se verifica é que, para muitos ministérios, se compararmos as execuções dc despesas do ano cm curso e o Orçamento proposto, verificamos que não há aumentos das remunerações que estejam relacionados com essa negociação que foi fevta. A dotação provisional vai chegar para tudo isso? Vai chegar para tanta diferença nos vários ministérios? Esta é uma questão que gostaria de ver mais clarificada.
Quanto ao Tribunal dc Contas, tive pena que a discussão tivesse morrido há pouco por um motivo muito simples-, é que, efectivamente, aquilo que foi dito pelos Srs. Membros do Governo foi que as preocupações mais substantivas do presidente do Tribunal dc Contas dificilmente poderiam