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II SÉRIE-C — NÚMERO 13
Só à custa de um enorme esforço de memorização que poderá ser vantajosamente canalizado para outras áreas da aprendizagem da língua;
d) A divergência de grafias existente neste domínio entre a norma lusitana, que teimosamente conserva consoantes que não se articulam em todo o domínio geográfico da língua portuguesa, e a norma brasileira, que há muito suprimiu tais consoantes, £ incompreensível para os lusitamstas estrangeiros, nomeadamente para professores e estudantes de português, já que lhes cria dificuldades suplementares, nomeadamente na consulta dos dicionários, uma vez que as palavras em causa vêm em lugares diferentes da ordem alfabética, conforme apresentam ou não a consoante muda;
t) Uma outra razão, esta de natureza psicológica, embora nem por isso menos importante, consiste na convicção de que não haverá unificação ortográfica da língua portuguesa se tal disparidade não for resolvida;
f) Tal disparidade ortográfica só se pode resolver suprimindo da escrita as consoantes não articuladas, por uma questão de coerência, já que a pronúncia as ignora, e não tentando impor a sua grafia àquelas que há muito as não escrevem, justamente por elas não se pronunciarem.
4.3 Incongruências aparentes.
A aplicação do princípio, baseado no critério da pronúncia, de que as consoantes c e p em certas seqüências consonãnticas se suprimem, quando não articuladas, conduz a algumas incongruências aparentes, conforme sucede em palavras como apocalílico ou Egipto, (sem p, já que este não se pronuncia), a par de apocalipse ou egípcio (visto que aqui o p se articula), noturno, (sem c, por este ser mudo), ao lado de noctívago (com c, por este se pronunciar), etc
Tal incongruência é apenas aparente. De facto, baseando-se a conservação ou supressão daquelas consoantes no critério da pronúncia, o que não faria sentido era mantê-las, em certos casos, por razões de parentesco lexical. Se se abrisse tal excepção, o utente, ao ter que escrever determinada palavra, leria que recordar previamente, para não cometer erros, se não haveria outros vocábulos da mesma família que se escrevessem com este tipo de consoante.
Aliás, divergências ortográficas do mesmo tipo das que agora se propõem foram já aceites nas Bases de 194S (v. Base VI, último parágrafo), que consagraram grafias como issunção ao lado de assumptivo, cativo a par de captor e captura, dicionário, mas dicção, etc A razão então aduzida foi a de que tais palavras entraram e sc fixaram na língua em condições diferentes. A justificação da grafia com base na pronúncia é tão nobre como aquela razão.
4.4 Casos de dupla grafia (Base IV, n.' ].', alíneas c) e d) e n.' 2.').
Sendo a pronúncia um dos critérios em que assenta a ortografia da língua portuguesa, é inevitável que se aceitem grafias duplas naqueles casos em que existem divergências de articulação quanto às referidas consoantes cepa ainda em outros casos de menor significado. Torna-se, porem, praticamente impossível enunciar uma regra clara e abrangente dos casos em que há oscilação entre o emudecimento e a prolação daquelas consoantes, já que todas as sequencias consonãnticas enunciadas, qualquer que seja a vogal precedente, admitem as duas alternativas: cacto c cato, caracteres c carateres, dicção e dição, facto e fato, sector e setor, ceptro c cetro; concepção e conceção, recepção e receçâo, assumpção e assunção, peremptório e perenlório, sumptuoso e suntuoso, etc.
De um modo geral pode dizer-se que, nestes casos, o emudecimento da consoante (excepto cm dicção, facto, sumptuoso e pouco mais) se vcri/Tca, sobretudo, em Portugal e nos países africanos, enquanto no Brasil há oscilação entre a prolação e o emudecimento da mesma consoante.
Também os outros casos de dupla grafia (já mencionados no n.s 4.1.), do tipo de súbdito c súdito, subtil e sutil, amígdala e amidala, omnisciente e onisciente, aritmética e arimélica, muito menos relevantes em lermos quantitativos do que os anteriores, sc verificam sobretudo no Brasil.
Trata-se. afinal, de formas divergentes, isto é, do mesmo étimo. As palavras sem consoante mais antigas e introduzidas na língua por via popular foram já usadas em Portugal e encontram-se nomeadamente em escritores dos séculos xvt c xvil.
Os dicionários da língua portuguesa, que passarão a registar as duas formas cm todos os casos dc dupla grafia, esclarecerão, tanto quanto possível, sobre o alcance geográfico e social desta oscilação de pronúncia.
5. Sistema de acentuação gráfica (Bases VIU a XJII).
5.1 Análise geral da questão.
O sistema dc acentuação gráfica do português actualmente cm vigor, extremamente complexo e minucioso, remonta essencialmente à Reforma Ortográfica de 1911.
Tal sistema não se limita, em geral, a assinalar apenas a tonicidade das vogais sobre as quais recaem os acentos gráficos, mas distingue também o timbre destas.
Tendo em conta as diferenças de pronúncia entre o português europeu e o do Brasil, era natural que surgissem divergências de acentuação gráfica entre as duas realizações da língua.
Tais divergências têm sido um obstáculo à unificação ortográfica do português.
É certo que em 1971. no Brasil, e em 1973, em Portugal, foram dados alguns passos significativos no sentido da unificação da acentuação gráfica, como se disse atrás. Mas, mesmo assim, subsistem divergências importantes neste domínio, sobretudo no que respeita à acentuação das paroxítonas.
Não lendo tido viabilidade prática a solução fixada na Convenção Ortográfica de 194S, conforme já foi referido, duas soluções eram possíveis para se procurar resolver esta questão.
Uma era conservar a dupla acentuação gráfica, o que constituía sempre um espinho contra a unificação da ortografia.
Outra era abolir os acentos gráficos, solução adoptada em 1986, no Encontro do Rio de Janeiro.
Esta solução, já preconizada no I Simpósio Luso-Brasileiro sobre a Língua Portuguesa Contemporânea, realizado em 1967 cm Coimbra, tinha sobretudo a justificá-la o facto de a língua oral preceder a língua escrita, o que leva muitos utentes a não empregarem na prática os acentos gráficos, visto que não os consideram indispensáveis à leitura c compreensão dos textos escritos.
A abolição dos acentos gráficos nas palavras proparoxítonas c paroxítonas preconizada no acordo de 1986, foi, porém, constestada por uma larga parte da opinião pública portuguesa, sobretudo por lai medida ir contra a tradição ortográfica e não tanto por estar contra a prática ortográfica.
A questão da acentuação gráfica tinha, pois, dc ser repensada.
Neste sentido, desenvolveram-se alguns estudos c fizeram-se vários levantamentos estatísticos com o objectivo de se delimitarem melhor e quantificarem com precisão as divergências existentes nesta matéria.
5.2 Casos de dupla acentuação.
5.2.1 Nas proparoxítonas (Base XI)
Verificou-se assim que as divergências, no que respeita às proparoxítonas, sc circunscrevem praticam ente, como já foi destacado atrás ao caso das vogais iónicas (to, seguidas das consoantes nasais m c n, com as quais aquelas não formam sílaba (v. Base XI, n.s 3.°).
Estas vogais soam abertas em Portugal e nos países africanos,
recebendo, por isso, acento agudo, mas são do lunbrc fechado cm grande parle do Brasil, grafando-se por conseguinte com acento circunflexo: académico/académico, cómodo/cómodo, efémerolefêmero, fenómeno! fenômeno, génio/gênio, tónico/tónico, etc.
Existe uma ou outra excepção a esta regra, como, por exemplo, cômoro e sêmola, mas estes casos não são significativos.
Costuma, por vezes, referir-se que o a tónico das proparoxítonas, quando seguido dc m ou n com que não forma sQaba, também está sujeito & referida divergência de acentuação gráfica. Mas tal não acontece, porém, já que o seu timbre soa praticamente sempre fechado nas pronúncias cultas da língua, recebendo, por isso, acento circunflexo: âmago, ânimo, botânico, câmara, dinâmico, gerânio, pânico, pirâmide.
As únicas excepções a este princípio são os nomes próprios dc origem grega DánaelDânae e DánaolDânao.
Note-se que se as vogais eco, assim como a, formam sílaba com as consoantes m ou n, o seu timbre é sempre fechado em qualquer pronúncia culta da língua, recebendo, por isso, acento circunflexo: êmbolo, amêndoa, argênteo, excêntrico, têmpera; anacreôntico, cômputo, recôndito; cânfora, Grândola, Islândia, lâmpada, sonâmbulo, etc.
5.2.2 Nas paroxítonas (Base IX).
Também nos casos especiais de acentuação das paroxítonas ou graves (v. Base LX, n." 2.°), algumas palavras que contém as vogais tónicas e e o em final de sílaba, seguidas das consoantes nasais m e n, apresentam oscilação de timbre nas pronúncias cultas da língua.
Tais palavras são assinaladas com acento agutio, se o timbre da vogal tónica é aberto, ou com acento circunflexo, sc o timbre é fechado: fémur