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II SÉRIE-C — NÚMERO 17

consequências que revelarão na economia desta petição, os seguintes: enquanto autarquia local, a freguesia é caracterizada como pessoa colectiva territorial dotada de órgãos representativos que visam a prossecução de interesses próprios da população respectiva (artigo 237.°, n.u 2); a lei deverá regular as atribuições e organização da freguesia bem como a competência dos seus órgãos, de acordo com o princípio da descentralização administrativa (artigo 239.°); a freguesia tem património e finanças próprios, devendo o regime destas, a estabelecer por lei, visar a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias do mesmo grau (artigo 240.°, n."* 1 e 2); a freguesia dispõe de poder regulamentador próprio, nos limites da CRP, das leis e dos regulamentos emanados das autarquias de grau superior ou das autarquias com poder tutelar (artigo 242.").

Por último, a CRP contém normas especificamente consagradas à freguesia—artigos 245." a 248.° Nestes ressalta especialmente, relativamente às correspondentes normas respeitantes às outras autarquias locais, uma especial ligação e proximidade entre a freguesia e os cidadãos, que se manifesta não apenas no facto, de algum modo significativo, de a CRP tratar em primeiro lugar esta autarquia mas, sobretudo, nas seguintes notas: trata-se da única autarquia relativamente à qual a CRP prevê expressamente a possibilidade de os cidadãos eleitores, para além dos partidos políticos, apresentarem candidaturas para a eleição dos respectivos órgãos (artigo 246.°, n.° 2) (3); a lei pode determinar que nas freguesias de população diminuta a assembleia de freguesia seja substituída pelo plenário dos cidadãos eleitores (artigo 246", n.° 3); a assembleia de freguesia pode delegar nas organizações de moradores tarefas administrativas que não envolvam o exercício de poderes de autoridade (artigo 248.").

São estas, em resumo, para além das normas organizatórias atinentes ao tipo, composição, natureza e eleição dos órgãos autárquicos e normas delimitadoras da competência legislativa nesta matéria as principais regras constitucionais conformadoras do regime jurídico das freguesias e que devem encontrar expressão e concretização na legislação ordinária.

1.2 — As normas constantes da Carta Europeia de Autonomia Local. — O Estado Português está internacionalmente vinculado ao cumprimento da Carta Europeia de Autonomia Local do Conselho da Europa ("). Uma vez que, por força do artigo 8.°, n.° 2, da CRP, as normas constantes dessa convenção vigoram na ordem interna com valor superior ao direito ordinário interno (5), elas impõem-se, tal como as normas constitucionais, à observância do legislador ordinário, determinando a invalidade das normas ordinárias que eventualmente as contrariem.

Assim, de entre a Cana Europeia de Autonomia Local, e com relevância para o actual estatuto jurídico da freguesia destacamos: entende-se por autonomia local (conceito que, como vimos, tem no caso português acolhimento e protecção constitucional) o direito e a capacidade efectiva de a autarquia local regulamentar e gerir uma parte importante dos assuntos públicos (artigo 3", n.° 1); o exercício das responsabilidades públicas deve incumbir, regra geral e de preferência, às autoridades mais próximas dos cidadãos, devendo a atribuição de uma responsabilidade a uma outra autoridade ter em conta a amplitude e a natureza da tarefa e as exigências de eficácia e economia (artigo 4.°, n.° 3); as autarquias locais devem ser consultadas, na medida do possíve\, relativamente a todas as questões que directamente lhes interessam (artigo 4o, n.° 6); o estatuto dos eleitos locais deve assegurar o livre exercício do seu mandato (artigo 7.°,

n.° 1), devendo permitir uma compensação financeira adequada das despesas efectuadas no exercício do mandato, bem como, se for caso disso, uma compensação pelo trabalho executado e a correspondente protecção social (artigo 7.°, n.°2); pelo menos uma parte dos recursos financeiros das autarquias locais deve provir de rendimentos e de impostos locais, tendo as autarquias locais o poder de fixar a taxa dentro dos limites da lei (artigo 9.°, n.° 3); as autarquias locais devem ter acesso, nos termos da lei, ao mercado nacional de capitais (artigo 9.°, n.° 8); as autarquias locais têm o direito de se associar com outras autarquias locais para a realização de tarefas de interesse comum no exercício das suas atribuições (artigo 10", n.° 1).

Note-se, por último, que a Carta Europeia de Autonomia Local estabelece expressamente a aplicação dos seus princípios a todas as categorias de autarquias locais existentes no território do Estado parte da convenção (artigo 13.°), pelo que a freguesia se deve considerar abrangida por todos os princípios que enumerámos.

2 — O actual enquadramento legal da freguesia e as suas consequências práticas

Perante o conjunto de regras e princípios conformadores do estatuto da freguesia que destacámos no número anterior (na sua dupla dimensão de normas constitucionais e normas aplicáveis de direito internacional), o legislador ordinário encarregado da respectiva concretização está juridicamente vinculado a conferir à freguesia a relevância e as possibilidades de actuação que seguramente presidiram à intenção do legislador constituinte democrático quando em 1976, e diferentemente do que acontecia no Estado Novo, elevou a freguesia ao estatuto de categoria plenamente autónoma de autarquia local e aos propósitos do Estado Português quando voluntariamente se vinculou internacionalmente ao cumprimento de regras destinadas a garantir a autonomia e responsabilidades efectivas da autarquia local num Estado democrático.

Porém, no que particularmente respeita à freguesia, há um desfasamento notório e reiterado entre os propósitos conformadores assinalados e o seu desenvolvimento legislativo. É que o legislador ordinário não só não tem cumprido cabalmente as suas tarefas de delimitação, concretização e densificação dos princípios formulados no escalão supralegal — e, no domínio da autonomia local, deveria ser essa fundamentalmente a sua função — como, por vezes, acaba por retroceder no grau de descentralização administrativa e autonomia anteriores, em alguns casos, inclusivamente, relativamente ao estatuto da freguesia no Estado Novo. Ora, por uma e outra razão, quer por omitir a promoção descentralizadora a que está constitucionalmente obrigado quer por restringir ilegitimamente a autonomia devida à freguesia, tem o poder político responsabilidades evidentes no amorfismo e irrelevância que caracterizam, em geral, a vida da grande parte das nossas freguesias.

Vejamos então, em que sentido e de que forma se projectam as deficiências da lei no desempenho da freguesia enquanto autarquia local.

A lei das autarquias lixais (Decreto-Lei n." 100/84, de 29 de Março) não distingue, no plano das atribuições, entre as várias autarquias locais, isto é, adopta para todas elas o chamado sistema de cláusula geral ou, segundo outros autores, um sistema misto de definição de atribuições. Assim, é atribuição da freguesia segundo o artigo 2.°, n." 1, do Decreto-Lei n.° 100/84, de 29 de Março, tudo o que diz respeito aos interesses próprios, comuns e específicos da