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II SÉRIE -C —NÚMERO 17

diferenças de desenvolvimento entre as freguesias rurais (mais carenciadas) e as urbanas (privilegiadas numa repartição segundo critérios populacionais) e, remetendo exclusivamente para os municípios a decisão sobre o financiamento de investimentos, favorece a desigualdade de tratamento na transferência de receitas por parte dos órgãos municipais em função do compadrio e de solidariedades partidárias e acentua consequentemente a dependência política e financeira das freguesias.

Assim, constituindo uma solução politicamente compreensível e juridicamente aceitável no quadro da Constituição de 1933, ela é hoje claramente inconstitucional e politicamente inadmissível.

3.2 — A inconstitucionalidade indirecta do estatuto legal da freguesia por desconformidade relativamente aos princípios da Carta Europeia de Autonomia Local.—Mas outras razões há ainda para considerar inconstitucional o regime das finanças locais no respeitante à freguesia como sejam, e diferentemente do que acontece para os municípios, a não previsão de impostos locais como fonte de receitas da freguesia e a retirada da sua anterior competência para lançar derramas, bem como a impossibilidade de contrair empréstimos (15).

Se por si só há um nítido desajustamento entre o programa constitucional de descentralização administrativa e autonomia das autarquias locais (artigos 6°, n.° 1, 237.°, n.° 2, e 239.° da CRP) e a retirada de competências anteriormente atribuídas — como são, no caso das freguesias, o poder de requerer expropriações por utilidade pública e, no domínio que analisamos, a competência para lançar derramas —, esse desajustamento é tanto mais nítido e inadmissível quando, para além da involução assinalada o legislador não dá cumprimento ao bloco de regras supralegais que constitucionalmente o vinculam.

Referimo-nos à violação directa do artigo 9", n.° 3, da Carta Europeia de Autonomia Local, segundo o qual «pelo menos uma parte dos recursos financeiros das autarquias locais deve provir de rendimentos e de impostos locais, tendo estas o poder de fixar a taxa dentro dos limites da lei». Se dúvidas houvesse acerca da aplicabilidade deste normativo às freguesias, o artigo 13.° tia mesma convenção dissipá-las-ia, na medida em que expressamente refere que «os princípios de autonomia local contidos na presente Carta aplicam-se a todas as categorias de autarquias locais existentes no território da Parte».

Quanto à obrigatoriedade da Carta Europeia de Autonomia Local, diga-se, incidentalmente, que a irresponsabilidade do Estado Português nesta matéria é flagrante.

É hoje indiscutível, por força do disposto no artigo 8.°, n.° 2, da CRP, que a partir do momento em que o Estado Português se vinculou intemacioiiatinènte à Carta Europeia de Autonomia Local as respectivas normas passam a vigorar na ordem interna e com valor superior ao direito ordinário (16).

Ora, o Estado Português não estava, naturalmente, obrigado a ratificar a Carta Europeia de Autonomia Local. Além disso, e tal como relativamente a qualquer convenção internacional, o Estado Português poderia ter formulado reservas quanto às normas a que não pretendesse ficar vinculado, dependendo a possibilidade de adesão e os seus efeitos, nesse caso, da atitude das restantes partes; porém, no caso em apreço, a formulação de reservas não suscitaria qvxaiSsYuW sMcttWailts., pots a ptópna Carta Europeia de Autonomia Local prevê essa possibilidade. Com efeito, o artigo 12.° da Carta confere aos Estados contratantes uma ampla possibilidade de escolha sobre as disposições a que

se pretendem vincular, pelo que o Estado Português, se eventualmente considerasse as disposições da Carta Europeia de Autonomia Local que temos vindo a citar incompatíveis com as opções políticas internas, poderia tê-las afastado da aplicabilidade interna para tanto bastando que no momento do depósito do seu instrumento de ratificação notificasse o Conselho da Europa das disposições escolhidas; por outro lado, o artigo 13." da Carta prevê igualmente a possibilidade de qualquer Estado excluir categorias determinadas de autarquias da aplicação das suas disposições, pelo que, se o Estado Português considerasse a natureza da freguesia incompatível com a plena aplicabilidade da Carta Europeia de Autonomia Local, bastaria que aquando da ratificação designasse a freguesia como categoria de autarquia local que entendia limitar ou excluir do campo de aplicação da Carta

Sendo que o Estado Português expressou validamente o seu compromisso a ficar vinculado pela Carta Europeia de Autonomia Local sem ter formulado quaisquer reservas, mas sem que, no plano interno, se tenha disposto a aplicar algumas das suas mais importantes disposições, tal facto só pode denotar, no mínimo, irresponsabilidade ou, o que seria politicamente não menos censurável, significar a hipocrisia de quem, «para Conselho da Europa ver», aceita sem reservas todas as disposições da Carta — quando o próprio Conselho da Europa considerava legítima e adequada uma adesão parcial—, mas, sabendo desde sempre que nem estava a aplicar algumas dessas disposições a todas as autarquias locais, nem, pelos vistos, se dispunha a cumpri-las após a adesão.

Porém, qualquer que seja a interpretação política da atitude do Estado Português, no que agora nos interessa ou seja, juridicamente, a ratificação sem reservas da Carta Europeia de Autonomia Local só tem um sentido: todas as suas disposições se aplicam sem reservas a todas as categorias de autarquias locais, pelo que o respectivo incumprimento não só faz o Estado Português incorrer em responsabilidade internacional, como, no plano interno, invalida por incoastitucionalidade indirecta as normas legais vigentes em desconformidade às regras e princípios da Carta Europeia de Autonomia Local e vincula juridicamente os órgãos responsáveis à correspondente adaptação do direito interno.

Há, assim, uma indiscutível invalidade do actual estatuto legal da freguesia, configurável como inslitucionalidade indirecta, por desconformidade relativamente à Carta Europeia de Autonomia Local, quer no que se refere, como vimos, à não previsão para as freguesias de receitas parcialmente provenientes de impostos locais — em violação do artigo 9.°, n.° 3, da Carta Europeia de Autonomia Local — quer no que respeita à impossibilidade de as freguesias contraírem empréstimos e terem acesso ao mercado nacional de capitais, em violação directa do n.° 8 do mesmo artigo.

Por idênticas razões, há ainda invalidade quando a Lei n.° 29/87, de 30 de Junho, sobre o estatuto dos eleitos locais, discrimina negativamente os autarcas das freguesias relativamente aos restantes, não dando cumprimento ao disposto no artigo 7.° da Carta Europeia de Autonomia Local, segundo o qual o estatuto dos representantes eleitos locais deve não só assegurar o livre exercício do seu mandato como permitir uma compensação financeira adequada das despesas no exercício do mandato, bem como, se for caso disso, uma compensação pelo trabalho executado e a correspondente protecção social.

Da mesma forma o facto de não existir ainda lei que preveja a faculdade de as freguesias se associarem entre si