17 DE FEVEREIRO DE 1993
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relativamente ao municipio, que, a diferentes títulos, está seriamente afectada.
Desde logo porque, nao sendo atribuidas competencias próprias em matéria de investimentos em todas as áreas que mais directamente se relacionam com as suas atribuições (artigo 8.° do Decreto-Lei n.u 77/84, de 8 de Março), mas apenas lhe concedendo aí a faculdade de actuar por delegação dos municípios (artigo 11,° do Decreto-Lei n.° 77/ 84, de 8 de Março), a lei a que incumbe a delimitação das actuações da administração central e local em matéria de investimentos públicos acaba por rebaixar a categoria de autoridade local da freguesia a mera instância de delegação do município, sem possibilidade legal de prossecução autónoma — garantida, todavia, pela CRP — dos interesses das respectivas colectividades (,J).
Tudo se passa, assim, na interpretação inadmissível da CRP operada pelo legislador ordinário, como se a freguesia fosse uma pessoa colectiva territorial dotada de órgãos representativos, que visa, por delegação do município e na medida consentida por essa delegação, a prossecução dos interesses próprios da população respectiva. Mas, então, não é de verdadeira autarquia local que se trata nem, muito menos, da concretização da sua autonomia.
Esta situação era adequada ao estatuto constitucional da freguesia no Estado Novo, onde, como dizia Marcelo Caetano O3), as freguesias eram um elemento do concelho, «uma espécie de municípios secundários ou subunidades municipais», mas é de todo incompatível com o actual quadro constitucional.
O mesmo se diga no domínio das finanças da freguesia Tendo, por força do artigo 240." da CRP, direito a património e finanças próprios, a freguesia acaba por depender em grande medida das finanças municipais.
Segundo o artigo 18.°, alínea a), da Lei n.u 1/87, de 6 de Janeiro, as receitas da freguesia são constituídas, entre outras, por «uma participação nas receitas do município», sendo que, nos termos do artigo 20.°, n.° 1, dessa lei, é o orçamento do município que fixa, em cada ano, o montante a distribuir pelas respectivas freguesias. É certo que, de acordo com o n.° 2 do artigo 20.° da Lei n." 1/87, de 6 de Janeiro, esse montante não pode ser inferior a 10 % das verbas provenientes do FEF para despesas correntes, pelo que, até esse limite e salvo nos casos dos municípios com apenas uma freguesia, em que aquele limite pode ser inferior, se deve em rigor considerar que o município é obrigado a transferir aquela verba
Porém, a esta solução devem imediatamente colocar-se reservas de diferente natureza.
Para além da exiguidade da verba mínima de transferência obrigatória — tendo em conta, de um lado, as expectativas que resultam da qualificação constitucional da freguesia como autarquia local e, de outro, a quase irrelevância das outras fontes de financiamento legalmente admitidas —, são, desde logo, a natureza e a qualificação legal deste procedimento como «participação das freguesias nas receitas municipais» que não se compatibilizam com a garantia constitucional da freguesia como autarquia local; é que, na verdade, tudo se passa aqui como se de um ente submunicipal se tratasse.
Dir-se-ia que, também neste domínio, o legislador ordinário foi até agora incapaz de retirar todas as conclusões da qualificação constitucional da freguesia como autarquia Vocal, mantendo, cómoda mas inconstiüirionalmente, a inércia da continuidade do estatuto da freguesia herdado do Estado Novo, onde a freguesia era um elemento do concelho, um ente infra e submunicipal.
Sintomático, neste aspecto, é o facto de a solução sucessivamente adoptada nas leis das finanças locais, e mantida em vigor, com actualizações, nela Lei n." 1/87, de 6 de Janeiro, ser, em absoluto, não, como seria de exigir, uma concretização dos princípios constitucionais vigentes mas antes uma mera reprodução actualizada da Constituição de 1933.
Com efeito, era esta Constituição que no artigo 129." dispunha
Os corpos administrativos têm autonomia financeira, nos termos que a lei determinar, sendo, porém, as câmaras municipais obrigadas a distribuir pelas freguesias, com destino a melhoramentos rurais, a parte das receitas fixada na lei.
Qualitativamente diferente é a solução adoptada pela CRP de 1976, todavia ainda não acolhida pela lei no que às freguesias respeita.
Segundo a CRP, o regime legal das finanças locais «visará a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias» (artigo 240.°, n." 2, da CRP). Portanto, as freguesias, na sua qualidade de autarquias locais, têm direito não a uma participação nas receitas municipais, fixada no orçamento do município e, salvo os limites, deixada à livre disposição dos critérios dos órgãos municipais (14), mas sim a uma participação directa nos recursos públicos, a determinar de acordo com as exigências do digno desempenho das suas funções como autarquia local e segundo critérios fixados com vista «à necessária correcção das desigualdades entre autarquias do mesmo grau», como se prescreve no artigo 240.°, n." 2, da CRP.
Ora, também quanto a este último aspecto a lei não dá cumprimento às exigências constitucionais, uma vez que os critérios legalmente fixados para operar a distribuição do montante a distribuir pelas freguesias são os seguintes: 10 % distribuídos igualmente por ttxlas; 45 % distribuídos na razão directa do número de habitantes; 45 % distribuídos na razão directa da área (artigo 20°, n." 3, da Lei n.° 1/87. de 6 de Janeiro).
Significa isto que a exigência constitucional de correcção das desigualdades entre freguesias é totalmente ignorada ou, no mínimo, deixada discricionariamente à disposição da boa vontade dos órgãos municipais. Ou seja: a lei apenas se preocupa com a transferência de receitas que assegurem um mínimo de funcionamento das freguesias, e daí que disponha que, em qualquer caso, o montante determinado para cada freguesia nunca possa ser inferior às despesas previstas nas leis que regulamentam o estatuto remuneratório dos titulares das órgãos da freguesia (artigo 20.", n." 4, da Lei n.° 1/87, de 6 de Janeiro). Ignora em absoluto, contudo, o imperativo constitucional que a obrigava a repartir os recursos públicos entre o Estado e as autarquias (incluindo necessariamente as freguesias) segundo critérios correctivos das desigualdades, o que, também no caso das freguesias, teria de ter em conta os respectivos níveis de carência e as capacidades técnico-financeiras.
Como se de ente submunicipal se tratasse, e não üe verdadeira autarquia lixai, a lei remete implicitamente para os órgãos municipais a decisão criteriosa sobre as necessidades de investimento de cada freguesia e, eventualmente, a delegação de competências correspondentes.
Como facilmente se concluirá, esta opção do legislador ordinário, na medida em que se baseia na uniformização de tratamento das freguesias ao nível do município, perpetua as distorções actualmente existentes entre elas, acentua as