17 DE FEVEREIRO DE 1993
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com vista à realização de tareias de interesse comum — ao contrário do que é facultado aos municípios (17) — contende com o disposto no artigo 10°, n.° 1, da Carta Europeia de Autonomia Local.
Nem se diga que essa faculdade está constitucionalmente vedada às freguesias pelo facto de a CRP não a prever expressamente, enquanto para os municípios essa possibilidade vem consagrada no arúgo 253." da CRP. Há, de facto, uma diferença com assento constitucional no regime das associações de municípios e das associações de freguesias, mas não com esse pretenso alcance. A diferença reside antes no seguinte: enquanto a possibilidade de criação das associações de municípios resulta da própria CRP, pelo que ao legislador não resta outra possibilidade que não seja a regulamentação vinculada do respectivo estatuto e processo de criação, já a faculdade de as freguesias se associarem, não estando constitucionalmente prevista ficaria à disposição das opções do legislador ordinário, em harmonia porém, com o princípio da descentralização administrativa, nos termos do artigo 239° da CRP(18).
Todavia a partir do momento em que a Carta Europeia de Autonomia Local passa a ser de aplicação directa em Portugal, o legislador perde a anterior liberdade de opção de que dispunha nesta matéria. É que a própria Carta Europeia de Autonomia Local confere às autarquias locais o direito de associação com outras autarquias locais para a realização de tarefas de interesse comum (artigo 10.°, n.° 1), bem como estabelece que deve ser reconhecido em cada Estado o direito das autarquias locais de aderir a uma associação para protecção e promoção dos seus interesses comuns e o direito de aderir a uma associação internacional de autarquias locais (artigo 10°, n.° 2).
Ora dada a referida força supralegal da Carta Europeia de Autonomia Local, o legislador ordinário fica vinculado, tal como acontecia anteriormente para os municípios, mas aí por força da CRP, a regulamentar o direito de associação das freguesias e, com base na analogia dos imperativos conformadores aplicáveis, em condições idênticas às consagradas para os municípios.
Pode, em conclusão, dizer-se que se o estatuto da freguesia era já de constitucionalidade duvidosa, desde que perspectivado enquanto estatuto que no essencial deve corresponder ao programa constitucional de elevação da freguesia à categoria autónoma de autarquia local e estrutura de efectivo exercício de poder local, hoje, após a ratificação da Carta Euro\ a de Autonomia Local, ele é, nos diferentes aspectos atras recenseados, juridicamente inválido, carecendo de uma urgente reformulação.
Esta reformulação não deve, porém, limitar-se à correcção de invalidades particulares, mas orientar-se para um ajustamento global do estatuto da freguesia aos parâmetros constitucionais e às exigências que decorrem de uma plena adesão aos princípios da Carta Europeia de Autonomia Local, mormente ao princípio consagrado no n.° 3 do artigo 4", segundo o qual, «regra geral, o exercício das responsabilidades públicas deve incumbir, de preferência, às autoridades mais próximas dos cidadãos». E em Portugal, pese embora o peso histórico, cultural e político do município, que lhe confere uma justa posição de destaque, a freguesia é, indiscutivelmente, a autoridade mais próxima dos cidadãos, o grau de autarquia local primário, o que, de resto, se reflecte no tratamento constitucional especial derivado daquela proximidade e que se reflecte a vários níveis (19).
3.3 — A inconveniência política do actual estatuto legal da freguesia. — Nestes termos, e como refere a Carta
Europeia de Autonomia Local, a regra geral privilegiadora da autarquia local mais próxima dos cidadãos apenas deveria ser derrogada quando se revelasse desajustada da amplitude e natureza da tarefa autárquica ou por razões de eficácia e economia. Significa Lsto que, ao contrário do que acontece actualmente entre nós, onde o estatuto das autarquias locais erige a excepção em regra à autarquia de grau superior apenas deveriam incumbir as tarefas para as quais a autarquia de grau inferior não dispusesse de capacidade natural de realização.
Diversamente, entre nós, a desvalorização da freguesia como autarquia local e a consequente irrelevância das suas funções actuais não correspondem, em geral, a uma qualquer incapacidade natural inibidora do desempenho das tarefas autárquicas atribuídas exclusivamente ao município, sobrecarregando este com tarefas que poderiam ser realizadas com vantagem pela instância mais próxima dos cidadãos.
Essa vantagem, assim desbaratada, assume dimensões múltiplas que têm a ver com razões de eficácia economia e racionalização de pnxxdimentos e resultados; com razões atinentes à necessária revitalização da democracia, à necessidade de estreitamento das relações entre os cidadãos e a Administração e empenhamento dos cidadãos na coisa pública; com a importância que assume nos nossos dias a efectivação de uma real divisão vertical dos poderes e as vantagens que daí resultam para a consolidação de espaços de liberdade, autonomia e participação política dos cidadãos e das comunidades locais; com as possibilidades de uma nova integração social e renovamento cultural que deve resultar de um revigoramento das relações de vizinhança e entreajuda, e, não menos ainda, porque a libertação das múltiplas tarefas que os municípios são actualmente obrigados a desempenhar sem vantagem especial poderia abalançá-los à prossecução de novas atribuições para as quais estão especialmente vocacionados, como sejam os programas de desenvolvimento regional, de ordenamento do território, de protecção do ambiente e de promoção do desenvolvimento em geral.
Aliás, as soluções jurídicas constantes quer da Constituição de 1976 quer da Carta Europeia de Autonomia Local, e que aqui invocámos para fundamentar a nossa pretensão de uma alteração substancial do actual estatuto da freguesia, não resultam, naturalmente, de um qualquer capricho do legislador coastituinte ou dos Estados membros do Conselho da Europa, mas são antes a expressão de conclusões políticas cimentadas ao longo de anos de experiência de poder local os regimes democráticos e que apontam invariavelmente para a necessidade de adopção, como regra geral, de um princípio de subsidiariedade das atribuições privilegiador da autarquia de grau inferior ou mais próxima do cidadão.
4 — Conclusões
Dir-se-ia que a quantidade e a importância das invalidades jurídicas assinaladas ao actual estatuto da freguesia aconselhariam preferencialmente uma petição dirigida a suscitar a intervenção declaratória do Tribunal Constitucional, no sentido da reposição da conformidade desse estatuto relativamente aos parâmetros constitucionais. No entanto, c sem prejuízo dessa possibilidade, facilmente se compreenderá que é primacialmente à Assembleia da República que incumbe a necessária correcção das deficiências indicadas. É que, tratando-se, em grande medida, de vícios decorrentes da omissão de aprovação das normas legais necessárias para tomar exequíveis os imperativos constitucionais e supralegais,