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17 DE FEVEREIRO DE 1993

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população respectiva e, designadamente, as áreas que, a título exemplificativo, vêm discriminadas nas alíneas a) a ;) daquele n.° 1.

Todavia, o n.° 2 do mesmo artigo remete a concretização da cláusula geral de atribuições das autarquias locais para o regime legal de delimitação e coordenação de actuações da administração local e central em matéria de investimentos públicos. Ora, o diploma consagrador desse regime, o Decreto-Lei n.° 77/84, de 8 de Março, define como de competência exclusiva dos municipios (artigo 1.°, n.° 2) a execução de investimentos públicos nos dominios de equipamento rural e urbano, saneamento básico, energia, transportes e comunicações, educação e ensino, cultura, tempos livres e desporto, saúde (artigo 8.°), para além de obras de equipamento social relativas a entidades particulares (artigo 9.°) e urbanismo e política de solos (artigo 10.°).

Em contrapartida, às freguesias não são atribuídas competências próprias em matéria de investimentos, unicamente lhes cabendo, nas áreas reservadas aos municípios, actuar por delegação da administração municipal (artigo 11.°).

Conclui-se, assim, que, não obstante as «boas intenções» da cláusula geral de atribuições do artigo 2." do Decreto--Lei n.° 100/84, de 29 de Março — adequada ao carácter que deve revestir uma autarquia local em Estado democrático —, a freguesia acabou por ver o horizonte das suas competências limitado à área residual que não foi afectada ao município. Pode dizer-se que, afinal, as freguesias apenas conservam as funções constantes do Código Administrativo de 1936-1940 que não lhes foram retiradas antes ou depois do 25 de Abril, uma vez que, mesmo após a aprovação da Constituição de 1976, as freguesias continuaram a ser esvaziadas de faculdades que detinham. Hoje resta-lhes muito pouco: promover o recenseamento eleitoral, administrar os bens próprios da freguesia ou colocados sob a sua jurisdição e atestar a residência vida e situação económica dos cidadãos residentes. Tudo o mais, aquilo que verdadeiramente constituiria a freguesia em autarquia local em sentido próprio, ou está fora das competências dos seus órgãos, ou depende da delegação do município ou, o que não é menos limitativo, excede os recursos financeiros de que a freguesia pode dispor.

É que também no domínio financeiro a situação da freguesia é de uma debilidade que frustra à partida, de um lado a mera possibilidade de a freguesia preencher condignamente o espaço de atribuições residual que na prática lhe resta e, de outro, a possibilidade de desenvolver uma iniciativa autónoma nas áreas em que a generalidade e igualdade de atribuições entre as autarquias locais parece colocar, em abstracto, a freguesia ao nível do município. Como vimos, a CRP consagra o princípio de que as autarquias locais têm património e finanças próprios (artigo 240.°, n.° 1, da CRP). Porém, no que às freguesias concerne, esta independência financeira traduz-se, dado um volume de receitas próprias muito modesto, numa dependência quase total de factores exógenos.

A principal receita da freguesia é a participação a que tem direito nas receitas do município [artigo 18.°, alínea a), da Lei n." 1/87, de 6 de Janeiro]; segundo o artigo 20.° desta lei, é o orçamento do município que, em cada ano, fixa o montante a distribuir pelas respectivas freguesias (n.° 1), ainda que, nos termos do n.° 2, esse montante não possa ser inferior a 10 % das verbas provenientes do Fundo de Equilíbrio Financeiro para as despesas correntes (salvo nos municípios com apenas uma freguesia em que aquele limite pode ser inferior).

Para além desta participação, as receitas da freguesia provêm de fontes próprias (taxas, multas e rendimentos de bens próprios). Ora, conhecida a em regra geral, insignificância do património e a diminuta actividade prestadora de serviços das freguesias, não é difícil concluir que as finanças da freguesia se encontram numa quase total dependência das finanças municipais. De resto, diferentemente do que acontece para os municípios (6), a lei não prevê sequer a possibilidade de as freguesias contraírem empréstimos, nem sequer a curto prazo. Da mesma forma, e também aqui distinguido do regime aplicável aos municípios (7), as freguesias não podem já lançar derramas, dado que desde 1984 lhes foi retirada essa faculdade (8).

Sendo que a relativa exiguidade do limite mínimo da participação a que as freguesias têm direito as impede, em grande medida, de se responsabilizarem autonomamente por uma actividade relevante com carácter de permanência pode dizer--se que, no essencial, elas ficam à mercê da boa vontade do município, pois a precariedade inerente ao instituto da delegação de poderes — através do qual o município pode transferir para a freguesia a capacidade de realizar investimentos na área de reserva municipal, com o consequente financiamento e apoio técnico (artigo 11 ° do Decreto-Lei n.° 77/84, de 8 de Março) — inibe os titulares dos órgãos da freguesia de projectarem, com consistência qualquer programa a desenvolver ao longo de vários ou até de um único mándalo.

Num outro plano, não já no domínio estrito das atribuições e competências da freguesia ou do seu suporte financeiro, mas com influência significativa nas condições de desempenho das funções que lhe cabem, há ainda a referir algumas importantes limitações legais (inexistentes para os municípios) ou de ordem prática como sejam: a não previsão legal da faculdade de as freguesias se associarem entre si com vista à realização das respectivas atribuições; a não possibilidade legal de os órgãos das freguesias poderem colocar os eleitos locais a exercer o mandato para que foram eleitos em regime de permanência (seja ou não a tempo inteiro, em exclusividade ou não); as deficientes instalações onde grande parte das juntas de freguesia é obrigada a funcionar, sem sede própria em andares alugados, sem um mínimo de condições dignas.

Em conclusão, podemos sintetizar este quadro desolador socorrendo-nos do que escreve Freitas do Amaral no seu Curso de Direito Administrativo (J):

Deve reconhecer-se, em abono da verdade, que a importância das freguesias enquanto autarquias locais na nossa actual Administração Pública é escassa: dispõem de poucos meios humanos, de pouquíssimos meios financeiros e, praticamente, de nenhuns meios técnicos. São unidades administrativas que arrastam penosamente uma vida difícil, quase feita somente de boas vontades e dedicação cívica.

No fundo, as freguesias não passam, no nosso sistema de meras delegações dos municípios, e vivem praticamente apenas dos subsídios que as câmaras municipais lhes possam dar. Entretanto, quase todas as funções específicas das freguesias desapareceram.

Mais tarde ou mais cedo, o problema da sobrevivência da freguesia como autarquia local terá inevitavelmente de ser encarado. (10).

3 — A inconstitucionalidade do actual estatuto da freguesia e a sua inconveniência política

Feito este percurso, duas perguntas podem e devem fazer--se, e primariamente dirigir-se à Assembleia da República,