O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

256

II SÉRIE-C — NÚMERO 33

Portugal, em 1976, conferiu um papel muito especial à' Declaração Universal dos Direitos do Homem. Afirmam os especialistas no estudo comparado das constituições de todo o mundo que a nossa constituição de 1976, revista em 1982, em 1989 e, agora, em 1992, é das mais generosas no elenco de direitos que consagra. Contudo, para além do extremo catálogo de direitos que nos estão garantidos, optou-se por incluir a Declaração Universal na nossa Constituição.

Lê-se, no artigo 16.°, n.° 2:

Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

A declaração adquire, assim, uma dupla importância. Primeiro, pelo seu carácter universal, depois, por integrar a nossa Constituição.

Ora, quando se diz, então, que ao provedor de Justiça cabe defender os direitos dos cidadãos contra os abusos do Poder, estão também a ser defendidos os direitos contidos na Declaração.

A criação do provedor de Justiça é bastante mais recente que a Declaração Universal, pelo menos, entre nós. Têm em comum a circunstância de serem consagrados em Portugal, ao nível constitucional, pela primeira vez em 1976.

Trata-se de uma instituição que surgiu na Suécia há mais de 200 anos, com o nome de Ombudsman. Em Portugal, ao que parece, terá existido na Idade Média, ao nível local, uma figura com algumas semelhanças — o almotacé.

Durante este século, os provedores de Justiça, um pouco por toda a parte, embora com designações diferentes: o médiateur em França; o protecteur des citoyens no Quebeque; o difensore cívico em algumas regiões de Itália; o defensor dei pueblo aqui ao lado, em Espanha. Verifiquei, com agrado, recentemente, num congresso em que participei na Áustria, que já há alguns países africanos e asiáticos com instituições semelhantes.

Quase imediatamente, ao falar-se em direitos, fazemos a relação com os tribunais. À primeira vista, somos tentados a pensar que os nossos direitos são apenas defendidos em tribunal, por advogados que falem muito e bem, como os das séries americanas de televisão, em processos muito complexos e demorados e perante juízes muito sisudos.

Pois bem, o provedor de Justiça surge como um meio complementar de defender os nossos direitos. Não sé pretende acabar com os tribunais mas resolver problemas que eles dificilmente podem resolver ou tratar de assuntos de uma forma diversa.

Como vocês sabem, no tribunal o queixoso e o réu sentam-se cada um de seu lado, com os seus advogados e, no meio estão os juízes. Cada parte faz o que pode, e às vezes o que não pode, para convencer o tribunal de que é ela que tem razão.

Na Provedoria não há julgamentos, nem sequer há autor e réu. Nós investigamos, vamos aos locais, falamos com as pessoas ou as pessoas vêm falar connosco e, depois, tiramos as nossas conclusões. Nas suas queixas contra o Estado, o cidadão, obviamente, nem sempre tem razão, mas quando entendemos que sim, procuramos obter uma solução através da mediação e, fundamentalmente, de recomendações.

Em traços muito largos, pode caracterizar-se a actuação do provedor de Justiça a partir de cinco aspectos:

a) Independência;

b) Informalidade;

c) Ausência de poderes de decisão;

d) Gratuitidade;

e) Observação de critérios de equidade. Passarei a explicar melhor.

A independência em relação ao poder significa que o provedor — e isso posso garantir-vos — não recebe instruções, nem ordens do Estado. Embora seja um órgão do Estado é independente dele. No entanto, esta característica e também é dos tribunais.

Em segundo lugar, referi-me à informalidade. Esta, sim, é uma característica própria e inovadora. O provedor recebe queixas e reclamações sem formalismos, por carta ou oralmente, sem impressos e sem carimbos, sem guichets de funcionários escondidos.

Temos, depois, a ausência de poderes de decisão. Por estranho que vos possa parecer, este é o maior trunfo do provedor. O provedor recomenda, critica, comenta, promove, inspecciona, divulga. O provedor não ordena, não manda prender ninguém, não impõe. As suas decisões são respeitadas, precisamente, por não estarem comprometidas. Se o provedor não for ouvido, não são ouvidos os cidadãos e estes, quando forem chamados a votar, terão isso em linha de conta.

Em quarto lugar, os processos a que os cidadãos dão origem na Provedoria são gratuitos. Não há lugar ao pagamento de qualquer taxa ou emolumento, nem sequer de selos fiscais.

Por fim, o provedor de Justiça não se preocupa apenas em cumprir a lei. O cumprimento da lei é o mínimo que nós, cidadãos, podemos exigir dos governantes. Mas todos podemos e devemos exigir mais. Devemos exigir-lhes que governem bem — com justiça, com senso, com eficácia. E devemos exigir ao Poder que não se agarre ao rigor das leis e a jogos de palavras para esconder falhas, omissões e injustiças. Por isso, muitas vezes, o provedor tem de encontrar soluções de equidade e propô-las. Encontrar soluções nas quais o cumprimento da lei não faça esquecer os cidadãos.

E quando a razão de ser da iniquidade, da injustiça está na própria lei, então, cabe ao provedor recomendar à Assembleia da República e ao Governo que alterem essa lei neste ou naquele sentido.

Dentro destes parâmetros tenho orientado toda a minha actuação, quer a partir das queixas e reclamações que recebo diariamente —e que este ano ultrapassaram já as 3000—, quer através de iniciativas que entendo dever tomar.

No primeiro grupo, tivemos,.muito recentemente, exemplos com que vos posso ilustrar a minha actividade. Desde um processo em que alguém se queixa de agressões praticadas pela polícia militar até à célebre polémica que envolveu uma obra do escritor José Saramago, a qual terá sido preterida na nomeação para um prémio literário. Desde o cidadão que se queixa da inoperância dos serviços municipais na limpeza de fossas sanitárias, passando pelas taxas moderadoras dos hospitais até aos problemas que os cidadãos hemofílicos vêm sofrendo com a terrível ameaça da sida.

Como vêem, estão aqui em jogo direitos fundamentais das pessoas: o direito à segurança, a liberdade de criação cultura], o direito ao ambiente e à saúde.