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22 DE SETEMBRO DE 1994

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O mesmo se passa com o direito a um tratamento igual que todos merecem. Para além das centenas de queixas que têm a ver com promoções que as pessoas consideram injustas nas suas carreiras, recebemos uma queixa muito interessante onde se dá conta da existência de um banco que, por meios discretos, tem vindo a contratar apenas pessoas do sexo masculino.

Temos também em mãos vários processos onde se verificam atentados contra os direitos dos contribuintes. Reparem, bem, na injustiça que é o facto de as viúvas e os filhos de militares mortos em combate terem de pagar IRS sobre as pensões que recebem do Estado, sobre as chamadas pensões de sangue.

Noutros casos, está em jogo o principal valor das pessoas que nos incumbe preservar: a sua liberdade. Foi a esse propósito que há bem pouco tempo intervim no caso daqueles cidadãos africanos que se encontravam desumanamente encarcerados num barco que esteve no porto de Leixões.

No âmbito das iniciativas próprias, e para terminar, gostava de vos referir três áreas que me preocupam particularmente: os menores em situação de risco, os idosos e o ambiente. Quanto aos menores em risco foi promovido, no mês passado, um seminário largamente participado onde se pretendeu fazer levantar à sociedade questões importantes e começar a responder-lhes. Isto partiu de inspecções realizadas em diversos estabelecimentos tutelares de menores. Quanto aos idosos e ao Ambiente estamos a programar acções muito específicas para o próximo ano, nomeadamente visitas e inspecções a hospitais e lares de terceira idade.

Para terminar, gostaria apenas de vos lembrar que todos podem recorrer ao provedor de Justiça, sempre que entendam que o poder público cometeu injustiças ou desleixa qualquer uma das suas competências. A maioridade não é condição de acesso ao provedor e todos podem fazê-lo individual ou colectivamente. O direito de apresentar queixas ao provedor de Justiça é um direito de todos, como se lê no artigo 23.° da Constituição.

Sempre que estejam em causa violações de direitos do homem, este direito transforma-se num dever.

Inclusivamente, por vezes, há que defender direitos das pessoas mesmo contra a sua vontade, especialmente quando está em causa a sua dignidade. Tempos atrás tive intervenção num caso que me pareceu chocante — um concurso de lançamento de pessoas anãs que ocorria em discotecas do Minho. Embora fossem os próprios anões a consenti-lo, entendi dever chamar a atenção das autoridades, pois estava ameaçada a sua própria dignidade como seres humanos.

Concluindo, permitam-me, então, que repita. Todos temos o dever — um dever cívico, note-se — de não permitir agressões aos direitos do homem. E fazêmo-lo através dos tribunais, do Ministério Público e da polícia, bem como, e espero que se lembrem disso, através do provedor de Justiça.

Discurso proferido pelo Sr. Provedor de Justiça na Ordem dos Advogados, em Lisboa, em 10 de Dezembro de 1992

Parece apropriado relembrar nesta sessão comemorativa da Declaração Universal dos Direitos do Homem a conhecida expressão latina que domina o Hofburg de Viena: lustitia. Regnorum. Fundamentam, Há bem pouco tempo, e durante uma semana, ela deparou-se-me diariamente na

altura em que naquela cidade se realizou a V Conferência Internacional do Ombudsman. Até por este último motivo, a inscrição tem sentido em ser destacada pelo provedor de Justiça português também aqui.

Com efeito, a não ser a justiça o fundamento do Poder, o limite da sua acção e uma das suas razões de ser, não vejo como possam ser respeitados os direitos do homem.

A Declaração Universal completa hoje 44 anos sobre a sua adopção pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Dispenso-me de traçar a sua história, como fiz esta manhã aos jovens de uma escola secundária, em Sintra.

Contudo, gostaria de realçar o duplo significado que e)a tem para nós portugueses. Mais do que um código de conduta para as Nações Unidas, mais do que um denominador comum de direitos fundamentais de todos os homens, a Declaração é, desde 1976, património do constitucionalismo português, graças à recepção que dela é feita pelo artigo 16.°, n.° 2, da nossa Constituição.

Não creio que o catálogo tão generoso de direitos contidos na nossa lei fundamental, enriquecido pelas revisões de 1982 e 1989, tenha sido muito alargado por aquele texto das Nações. Unidas.

Curiosamente, da Declaração é frequentemente retirado pela doutrina um preceito que limita o exercício dos direitos fundamentais. Trata-se do artigo 29.°, o qual é sensivelmente diverso do artigo 18° da Constituição instrumental, uma vez que o teor do preceito do texto internacional estabelece limitações de conteúdo indeterminado (moral, ordem pública e bem estar) ao exercício dos referidos direitos fundamentais.

Todavia, a sua recepção tem o elevado sentido de nos fazer participar, ainda mais empenhadamente, na vida jurídica internacional, na luta pelos valores da liberdade e da dignidade da pessoa humana.

Por outro lado, não queria ainda deixar de notar que os países que em 1948 se abstiveram na votação, talvez hoje não procedessem de modo idêntico. É com agrado, pois, que observo na história recente mudanças de sinal positivo em favor dos direitos do homem.

Este sinal de esperança não nos deve, porém, fazer esquecer que o desafio que a Declaração nos propõe está longe de ser atingido. Muito de perto sentimos a angústia dos nossos irmãos timorenses. Muito de perto sentimos as atrocidades do conflito balcânico. E, quanto ao primeiro caso, não é a alteração súbita da posição de uma só pessoa, por mais notável que tenha sido a sua acção, a diminuir o sentimento de revolta da comunidade internacional perante o genocídio timorense, como também não serão as nossas culpas de 1974-1975 a justificarem esta prepotência permanente «garantida» pela passividade cúmplice das grandes potências: aquelas que têm poder material para inverter a situação e as que dispõem de uma autoridade moral que as credenciaria como voz da consciência da humanidade.

E mesmo a tranquilidade do nosso quotidiano europeu ocidental, esconde preocupações com os direitos do homem que entendo legítimas.

O reavivar da xenofobia e da intolerância étnica e religiosa, o desenvolvimento promissor mas também inquietante das ciências biogenéticas e o isolamento crescente a que a sociedade de consumo conduz alguns dos nossos cidadãos, recordam-nos que não é despiciendo evocar a Declaração Universal dos Direitos do Homem.