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II SÉRIE-C — NÚMERO 12

O inquérito superiormente determinado privilegiou as acções, «não se vislumbrando quaisquer atitudes com repercussão no campo jurídiço-disciplinar».

E destas (as acções), o ofício de V. Ex.* destaca, quanto ao conselho de administração, as diligências desencadeadas a partir de 22 de Março de 1993, quando a situação aguda se tinha já instalado, designadamente com a verificação de várias mortes no decurso desse mesmo mês.

Mas nada refere quanco a diligências reiteradas, ao longo dos anteriores dois anos de seca, em que o reforço dos cuidados era indispensável.

2.4 — Também afirma V. Ex." que o conselho de administração estava a par das repetidas aquisições de material e substituições de equipamento para a unidade de hemodiálise e que tal era considerado normal.

E conclui que, quanto a eventuais omissões culposas do director clínico, a Provedoria se limita a «suspeitar», sem apresentar fundamento concludente.

De facto, no silêncio do inquérito promovido por esse Ministério quanto ao conteúdo dos relatórios mensais, trimestrais e anuais do administrador-delegado e quanto as matérias tratadas (ou omitidas) nas reuniões do conselho de administração, designadamente por iniciativa do director clínico, o provedor só pode mesmo ter suspeitas. E, além de estranhar que tanto V. Ex.a como o Sr. Inspector-Geral as não tenham, entende que elas justificam a realização de um inquérito para que sejam confirmadas ou definitivamente afastadas.

É preciso provar, pela positiva, que o conselho de administração estabeleceu as directrizes necessárias ao melhor funcionamento da unidade de hemodiálise [Decreto Regulamentar n.° 3/88, de 22 de Janeiro, artigo 4.°, n.° 2, alínea c)], que o director clínico coordenou activamente toda a assistência prestada aos insuficientes renais crónicos assistidos naquela unidade e garantiu a correcção e prontidão dos cuidados de saúde prestados e, em especial, dirigiu a acção médica, tomando as medidas necessárias e adequadas (idem, artigo 13°, n.os 1 e 2).

Que o tenham feito e que, não obstante, os acontecimentos tenham assumido a gravidade que é do conhecimento público é o que alimenta as suspeitas do provedor de Justiça.

Por isso, insisto em que acho necessários mais inquéritos.

2.5 — Afirma ainda V. Ex.a que a Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários (e não a Direcção-Geral da Saúde, que só foi criada quando se aproximou a fase aguda dos acontecimentos —15 de Fevereiro de 1993) não pode ser responsabilizada, porque não havia legislação apropriada sobre diálise. É justamente por isso que os seus dirigentes são (foram) responsáveis: cabia-lhes desencadear o processo de elaboração de normas, que culminaria com a aprovação das medidas legislativas indispensáveis. Admito que o tenham

feito, mas as normas não foram aprovadas.

Verifica-se por isso uma omissão legislativa do Estado, que, sendo da sua própria responsabilidade, não pode invocar em sua defesa, por uma questão elementar de boa fé.

2.6 — Quanto à agressividade da água da rede de Évora, verificada eventualmente desde 1985, é um motivo mais para o reforço das cautelas e atenções não só dos médicos prestadores de cuidados especializados como do conselho de administração, em particular do director clínico.

E uma vez que V. Ex.a afirma desconhecer se o provedor dirigiu alguma recomendação à Camara Municipal de Évora,

aproveito para informar que sim e que a imprensa se fez eco do facto.

Acrescento que a Câmara acolheu a recomendação que lhe foi dirigida.

3 — Relativamente à assistência social mencionada nas pp. 7 e 8 do ofício de V. Ex.a, permita-me que não a entenda como tal.

A transferência dos doentes para Lisboa foi uma medida

de recurso mal explicada, que os serviços desse Ministério tomaram (impuseram) e que se traduziu no seu desenraizamento, bem como dos familiares que os acompanharam ou visitaram, com a inerente realização de despesas de outro modo desnecessárias.

Face ao número de doentes atingidos e à rapidez com que, depois de o assunto sair do segredo do Hospital, as mortes e o agravamento da situação clínica se sucederam, os serviços do Ministério não podiam fazer pelos insuficientes renais crónicos menos do que fizeram.

Mas podem — devem — fazer muito mais.

4 — O essencial da minha recomendação, na medida em que propõe um ressarcimento de prejuízos cuja responsabilidade cabe ao Estado, mereceu a V. Ex." oito linhas de texto.

4.1 —As três primeiras reconhecem implicitamente que a criação de um fundo de indemnização é uma deliberação do Conselho de Ministros.

Cabe a V. Ex." pôr a proposta na mesa.

4.2 — As restantes linhas afirmam a existência de tribunais competentes para a decisão da matéria.

E confunde, ou sobrepõe, duas questões a dirimir sucessivamente em tribunais distintos: por um lado, as causas de cada uma das mortes, com a determinação e imputação da responsabilidade criminal; por outro, à interposição por cada um dos interessados de acção de indemnização pelos danos materiais e não materiais sofridos.

Ora o dever de indemnizar, nos termos do artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 48 051, de 21 de Novembro de 1967, «não depende do exercício pelos lesados do seu direito de recorrer».

5 — Recordo, Sr. Ministro da Saúde, que a Constituição (artigo 23.°) criou o provedor de Justiça como órgão do Estado cuja actividade é independente dos meios graciosos e contenciosos. E que o estatuto aprovado pela Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, confere ao provedor competência para recomendar à Administração a correcção de actos ou omissões ilegais ou injustos, visando a defesa e promoção dos direitos dos cidadãos.

Ao protelar sine die o ressarcimento devido pelos prejuízos e danos sofridos pelos insuficientes renais crónicos e seus familiares, V. Ex.a está a acentuá-los è a revelar insensibilidade para o drama de ontem e de hoje por eles vivido.

Espero que à mal fundamentada recusa de V. Ex.a em promover uma intervenção expedita, assumindo a responsabilidade civil da Administração, por acção e omissão, nas mortes e agravamento do estado de saúde dos insuficientes renais crónicos, se sobreponha o sentido ético, o espírito de justiça e o respeito a que os doentes sobrevivos e os familiares dos falecidos têm direito e que tarda a ser--lhes reconhecido.

Com os melhores cumprimentos.

Lisboa, 17 de Agosto de 1994. — O Provedor de Justiça, José Menéres Pimentel