4 DE FEVEREIRO DE 1995
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ANEXO N° 5
MINISTRO DA SAÚDE
Ex.mo Sr. Provedor de Justiça: Assunto: Hospital Distrital de Évora. Unidade de hemodiálise.
Após a minha resposta à recomendação n.° 42794, de 11 Fevereiro de 1994, veio V. Ex.a insistir com fundamento nos argumentos já invocados e em relação aos quais entendo que é de reafirmar a posição do Ministério da Saúde.
De facto, Sr. Provedor, ao provedor de Justiça compete, nos termos da Constituição e da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, dirigir recomendações aos órgãos competentes, mas devo dizer-lhe que não é sem algum espanto e bastante perplexidade que o vejo dirigir aos órgãos da Administração Pública juízos de valor sobre as suas condutas, pondo em causa a garantia de isenção e imparcialidade que esse órgão deve manter.
Venho, assim, nos termos do n.° 1 do artigo 38.° da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, comunicar-lhe o seguinte:
1 — Quanto à realização de novos inquéritos, V. Ex." cita o Prof. Doutor Marcello Caetano: «O inquérito é ordenado para apurar se num serviço foram efectivamente praticados factos de que há rumor público ou denúncia popular e qual o seu carácter e imputação [...] O inquérito pode concluir pela prova de que os factos indicados foram efectivamente praticados e pela individualização dos seus autores.»
Ora, foi exactamente o que se fez no Ministério da Saúde, através do processo n.° 403/89-1, levado a efeito pela Inspecção-Geral da Saúde.
Nesse inquérito, cuja instrução se realizou em múltiplas direcções, de maneira a averiguar todas as eventuais responsabilidades, foi também averiguada a actuação do conselho de administração do Hospital Distrital de Évora.
Não se vislumbra razão válida para instaurar um novo inquérito acerca da actuação do conselho de administração, a qual foi já investigada no referido processo de inquérito e cujas conclusões se alicerçaram em vasta prova testemunhal e documental, incluindo várias perícias efectuadas por eminentes nefrologistas e outros especialistas do País.
Tal procedimento, além de incorrecto, seria ilegal.
De facto, tal permitiria que os valores da certeza e segurança jurídica pudessem ser, a todo o tempo, postos em causa, colocando os visados à mercê da vontade discricionária e das diferentes convicções de quem possa ter, em momentos diversos, o poder de decidir da responsabilidade disciplinar.
Assim, contrariamente ao sustentado por V. Ex.a, entendemos que, se houvesse que realizar novas diligências sobre a actuação do conselho de administração, as mesmas deveriam efectuar-se no âmbito do inquérito levado a efeito, e não em novo inquérito, sendo necessário trazer-se à colação novos elementos de prova que pudessem invalidar as conclusões havidas.
E isso porque se deve aplicar, por força do n.° 3 do artigo 35." do Estatuto Disciplinar, o disposto no artigo 279.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, que estabelece que «[...] o inquérito só pode ser reaberto se surgirem novos elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados», não tendo sido apresentados na recomendação emitida novos elementos de prova susceptíveis de determinar aquela reabertura.
Por outro lado, quando V. Ex.a diz que o meu ofício «nada refere quanto a diligências reiteradas ao longo dos anteriores dois anos de seca, em que o reforço dos cuidados era
indispensável», informo-o de que o conselho de administração do Hospital Distrital de Évora respondeu sempre, de imediato, a todas as solicitações técnicas que tinham a ver com a aquisição de material e equipamento necessário ao funcionamento da central de tratamento de águas (CTA), conforme consta dos autos do inquérito efectuado.
Era sabido em Évora que havia problemas com a matéria orgânica da água da rede pública, e através dos contactos e reuniões que, amiudadas vezes, se estabeleciam entre o responsável pelo Serviço de Instalações e Equipamentos e o administrador-delegado do Hospital foram sendo tomadas as medidas concretas que se impunham, na grande maioria sugeridas pela própria empresa Enkrott, designadamente a aquisição e reforço de novos filtros e células.
Tanto assim que, quando em Março de 1992 o responsável pelo Serviço de Instalações e Equipamentos sugeriu ao conselho de administração a construção de um depósito que permitisse a melhor decantação da água, esse órgão desenvolveu, de imediato, todo o trabalho no sentido dessa construção, sendo certo que a mesma nem sequer havia sido orçamentada. Não obstante isso, foi efectuado, por sua iniciativa, todo o estudo e preparação prévias à adjudicação da obra e foi esta adjudicada à firma URBÉVORA, conforme se pode ver da acta da reunião do conselho de administração de 29 de Julho de 1992.
2 — Quanto àquilo a que V. Ex.a chama «omissão legislativa do Estado», dir-se-á que a mesma, a ter existido, só poderia implicar responsabilidade se, por um lado, não existissem razões que a tivessem justificado e, por outro, se houvesse nexo de causalidade entre essa eventual omissão e os efeitos danosos ocorridos.
Para além da dificuldade em estabelecer tal nexo face aos factos verificados, sempre se dirá que entre as razões para aquela justificação se pode encontrar a grande preocupação de estabelecer as normas mais adequadas para matéria tão delicada, obrigando a estudos e consultas que, por sua vez, exigem ponderação, com alguma demora.
3 — Reafirmando a posição que já transmiti referente à prestação de uma eventual «assistência social» recomendada por V. Ex.a, anoto ainda que a «realização de despesas de outro modo desnecessárias» suportadas pelos insuficientes renais crónicos e seus familiares como consequência da sua transferência para Lisboa se traduz em danos indemnizáveis nos mesmos termos em que o devem ser os restantes, a que acrescem.
Não parece que faça muito sentido estar a ressarcir uns danos através de indemnização a ser processada e paga através de um processo e verbas próprios e outros danos através de uma «assistência social» não qualificada e fora das atribuições do estabelecimento responsável.
A circunstância de o dever de indemnizar poder ser independente do exercício pelos lesados do seu direito de recorrer não exclui a possibilidade de ser estabelecida judicialmente a existência daquele dever e a fixação dos danos e do montante indemnizatório.
No caso em apreço, e dada a diversidade das situações concretas, nomeadamente para a determinação, em cada caso, dos danos materiais sofridos, a apreciação pelo tribunal, sendo absolutamente isenta, garante de forma correcta o direito dos lesados e afasta a possibilidade de utilização de critérios arbitrários ou estabelecidos por via administrativa.
Com os melhores cumprimentos.
Lisboa, 3 de Novembro de 1994. — O Ministro da Saúde, Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
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