8 DE JUNHO DE 1995
180-(85)
A causa timorense ganhou dimensão planetária após o massacre de Novembro de 1991, quando as imagens da matança deram a volta ao mundo.
Esta Conferência Interparlamentar —e os comunistas portugueses sentem orgulho por terem proposto a sua realização quando aqui prestávamos homenagem as vítimas de Santa Cruz —, esta Conferência, dizia, constitui a melhor prova de que a opinião pública mundial e responsáveis políticos de diversos quadrantes acompanham com atenção crescente o combate da nação maubere, numa convergência de movimentos de solidariedade cujos apelos, denúncias e vigilância colocaram a Indonésia numa posição de incomodidade, forçando-a a abandonar a política de recusa de conversações sobre Timor Leste com a potência administrante, Portugal, sob a égide do Secretá-rio-Geral da ONU.
Não alimentamos ilusões quanto a compromissos da República Indonésia — aliás, não cumpridos — relativos à situação de desrespeito pelos direitos humanos. Mas é transparente que, apesar da desproporção das forças em presença, o gigante indonésio não conseguiu dobrar a vontade timorense. A estratégia integracionista orientada para a destruição da identidade do povo maubere fracassou. O sentimento nacional é hoje mais forte do que nunca em Timor Leste. Resistiu ao genocídio, às leis do ocupante, à propaganda, às agressões à cultura local, ao terror endémico mantido pelo exército de ocupação. Essa é, talvez, a mais significante das lições da trágica epopeia timorense.
Os Timorenses demonstram no dia-a-dia, com imaginação e coragem, que a sua capacidade de resistir na defesa daquilo que são, e querem continuar a ser, se adapta a cada nova situação criada pelo invasor.
Não há data previsível para o fim do dificílimo combate travado pela grande maioria do povo maubere. Mas o que esse pequeno grande povo fez até agora, ao resistir em condições que na aparência tornavam utópico o seu desafio à anexação indonésia, trouxe-lhe a solidariedade de milhões de homens em dezenas de países. Esta Conferência, repito, traduz uma evidência reconfortante: a luta pelo direito à autodeterminação e independência dó povo de Timor Leste adquiriu a dimensão de causa da humanidade.»
6 — Discurso do Sr. Deputado Narana Colssoró, representante do Grupo Parlamentar do CDS-PP
«Sr. Presidente, Srs. Altos Dignatarios do Estado, Srs. Convidados, Srs. Participantes nesta Conferência Interparlamentar sobre Timor Leste, Sr.85 e Srs. Deputados: Timor é o facto da vida internacional que mais duramente desafía a nossa consciência nacional. E fá-lo porque nós, portugueses, temos para com o povo maubere indesmentíveis deveres de solidariedade que resultam da nossa história que, durante vários séculos, percorremos lado a lado e também porque Portugal tem, ainda, à luz do direito internacional vigente, o estatuto de potência administrante daquele território.
Estatuto e função que a comunidade internacional reconhece e não contesta, mas que se encontram, um e outra, coarctados pelo facto de a Indonésia ter invadido militarmente aquele mesmo território e de nele se comportar perante a população de uma forma absolutamente contrária às regras mais elementares que os Estados democráticos do mundo devem exigir, nomeadamente no que concerne ao respeito pelos direitos humanos.
Por isso, Timor é uma questão que tem de ser encarada no contexto de um conflito entre a Indonésia e a própria comunidade internacional. Com efeito, não é Portugal que é atingido pelo comportamento das forças armadas indonésias. É, antes, um povo cujo direito — internacionalmente reconhecido — à autodeterminação se vê negado por uma potência agressora e invasora e que manifesta o mais evidente desprezo por algo que a comunidade internacional tanto defende: os direitos do homem e do cidadão, dos timorenses orientais que a ditadura de Suharto considera como seus súbditos.
Dir-se-á que esta situação não é certamente a única em redor do mundo: desde o Burundi à Bósnia, passando pelos Estados da ex-União Soviética, não se pode dizer que o fim da guerra fria tenha trazido um período de paz e acalmia ao mundo. Todavia, o que há de particular no caso de Timor é o facto de uma grande potência regional com enorme disponibilidade militar, que é a Indonésia, utilizar a sua força contra um povo pequeno e indefeso, que tem ao seu lado apenas a força da sua identidade histórica e cultural, diferente da do Estado ocupante, e a vontade política colectiva firme de querer escolher o seu próprio destino mediante regras internacionalmente reconhecidas, as únicas capazes de explicitarem a sua vontade nacional.
Não podemos esquecer que esta ocupação pela força das armas manifestou-se, e manifesta-se ainda, pelo genocídio, pela transferência de populações, pela violência sobre a juventude, pela violação de mulheres para miscigenação forçada, pela profanação das igrejas cristãs, por espancamentos de autoridades autóctones, por uma farsa do julgamento e condenação injusta à prisão perpétua do líder incontestado da resistência — Xanana Gusmão — e pela interdição de entrada na sua própria pátria aos dirigentes dos movimentos nacionalistas locais.
Todos estes factos são indesmentíveis e constam de dezenas de relatórios de personalidades prestigiadas e insuspeitas, de reportagens filmadas e transmitidas por grandes cadeias internacionais de televisão, dos testemunhos dos abalizados jornalistas e dos relatos daqueles que conseguem escapar ao regime de excepção que se vive naquela parte da Ilha de Timor.
Por isso é inaceitável que os grandes países do Pacífico, nomeadamente a Austrália e os Estados Unidos da América, tolerem estes crimes, quando costumam erguer a sua voz contra outros factos semelhantes, como invasões de fronteiras, genocídios e mesmo guerras intertribais ou inter-religiosas.
Da gravidade do comportamento desses países, cegos e mudos no que toca ao que se passa em Timor Leste, tem resultado, sem dúvida, a evidente inabilidade da comunidade internacional em impor, neste caso, o respeito pelos direitos humanos e o direito inalienável do povo maubere à sua autodeterminação.
No entanto, vislumbram-se actualmente tímidos e vagos sinais de esperança, que resultam de, pela primeira vez desde há longos anos, a comunidade internacional começar a manifestar também o entendimento de que o problema do povo de Timor Leste é seu e não um diferendo entre dois dos seus membros.
Isto resulta do crescente interesse e preocupação que esta questão suscita em várias instâncias internacionais devido à tenacidade da nossa diplomacia e da compreensão, cada vez mais larga, dos sectores da opinião internacional que conseguem tomar conhecimento real do problema de Timor Leste.