11 DE MARÇO DE 1996
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o facto de que, claramente, não é intenção do Governo estar a enterrar dinheiros públicos em empresas inviáveis, mas também sabemos que muitas vezes o juízo de viabilidade das empresas é difícil de fazer.
Independentemente deste problema de risco e de política de gestão, sublinho que, neste artigo 58.°, há, para além do aspecto comum da gestão de créditos fiscais ou não fiscais, uma gama muito ampla de situações. Por exemplo, na alínea c) do n.° 1, a aceitação da «dação em cumprimento de bens imóveis e valores mobiliários» pode implicar claramente não apenas a resolução de muitas situações de dificuldade como a própria valorização do património do Estado — património cultural ou património estritamente financeiro — que hoje é dificultada por obstáculos nem sempre muito racionais de carácter jurídico.
Sublinho ainda que, neste artigo 58.°, há muita matéria que tem natureza diferente mas que corresponde, toda ela, à necessidade de criar regimes legais (eu também estou de acordo em que é mau que uma discricionaridade casuística se exerça sem critérios definidos por lei) que possibilitem a mobilização de créditos não efectivados para fins muito diversos; podem ser fins de interesse social, como a viabilização de empresas, por exemplo, podem ser fins de natureza meramente financeira — vender a baixo preço créditos não realizáveis a entidades que, por uma razão ou por outra, queiram comprar esse crédito mal parado do Estado (e tanto crédito mal parado que o Estado tem!), podem ser maneiras de tentar resolver as dificuldades existentes em sede de processos de execuções fiscais ou de processos de mora fiscal que ainda não chegaram à execução, podem ser maneiras de adquirir património, nomeadamente bens de património cultural, que seja afectado ao interesse público, combinando, portanto, essa aquisição de património com o alívio dado ao contribuinte em dificuldades. Trata-se de mecanismos de carácter muito diverso, que devem obedecer sempre a critérios legais quando se trate de mecanismos fiscais e que, quanto aos outros, devem ser muito cuidadosamente utilizados.
A finalidade deste artigo 58.° é, pois, a de permitir que estas questões, que são diversas, sejam reformuladas em conjunto, pondo cobro à dificuldade que resulta de uma legislação muito arcaica e de uma prática administrativa e até judicial, quando se trata de processos judiciários «engarrafados», também muito arcaicos, que constituiriam obstáculo para tudo, para a valorização ou para a defesa do património cultural, para a viabilização de empresas, para a resolução de problemas de emprego e para a própria libertação da administração fiscal e da justiça fiscal, que, muitas vezes, gasta recursos inutilmente tentando cobrar aquilo que não é cobrável em vez de criar condições para que seja possível, simultaneamente, realizar o interesse fiscal ou patrimonial do Estado e outros interesses concorrentes dos seus devedores.
Não me pronuncio agora sobre isso mas sou também sensível à ideia de que é em considerações parcialmente análogas que se funda a necessidade de repensar o problema da regularização de atrasados, que é, de facto, que é também um problema difícil numa economia com quebras de liquidez em todos os agentes económicos, nomeadamente nas empresas, em que os atrasados fiscais e da segurança social se tornam, muitas vezes, um obstáculo à manutenção, à expansão de empresas e à defesa do emprego. Portanto, por aqui também passa muito a necessidade de reconhecer a prioridade do emprego e de viabilizar as empresas viáveis.
Por outro lado, há neste artigo 58.° um n.°4 que tem uma natureza diversa. Do que se trata aqui, nestas várias situações do n.°4, é, pura e simplesmente, de regularizar situações de crédito mal parado ou situações de operações irregulares que, por diversas circunstâncias, se foram arrastando no tempo. Também aqui uma preocupação de «limpar a casa», tanto no domínio da situação das dívidas das associações da Bolsa de Valores de Lisboa e da Bolsa de Valores do Porto, como na eterna situação do crédito agrícola de emergência, em montantes mínimos, de crédito mal parado de 53 milhões de contos, dos quais, nalguns casos, por exemplo, só na Direcção Regional de Agricultura do Alentejo, desapareceram os processos relativos a 30 milhões de contos, já não se sabendo quem deve o quê. Trata-se de situações antiquíssimas que, efectivamente, é difícil gerir de outra maneira que não seja esta. E lastimável que tenha de se dizer isto, mas acho que o Estado se valoriza mais quando diz a verdade do que quando deixa arrastarem-se indefinidamente situações que são más para os sectores económicos em causa e são más r para a própria credibilidade e honestidade do Estado como pessoa de bem.
Destaco que, casos como estes não deviam ter-se arrastado tanto tempo, mas arrastaram e nós somos responsáveis por propor soluções para o futuro e não para o passado, pelo que é importante o que se dispõe no n.° 5 do artigo 58.°, ou seja, a informação trimestral à Assembleia da República da justificação e condições das operações realizadas, porque, de facto, trata-se de operações que incidem sobre situações duvidosas e que, pôr isso, precisam do máximo de transparência e do máximo de controle. Não não só aceitamos o controle como tomamos a iniciativa de estabelecer uma forma e, nesse sentido, agradecemos o controle, porque não quereríamos qüe a existência ou a utilização de poderes que são atribuídos ao Governo para clarificar situações acumuladas e apodrecidas desse origem a qualquer espécie de dúvida quanto à regularidade de utilização desses poderes e quanto ao fim de simples transparência e regularização financeira a que a proposta obedece.
A Sr." Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Gilberto Madaíl.
O Sr. Gilberto Madaíl (PSD): — Sr." Presidente, queria pedir só um esclarecimento, relacionado com aquilo qué o Sr. Ministro acaba de dizer. Pretendia saber se o os critérios que V. Ex.° anunciou e aquilo que acaba de referir, quando fala em funções sociais também desempenhadas pelas empresas, na necessidade de clarificar a situação, e na possibilidade da negociação dos créditos fiscais, também é aplicado a entidades de utilidade pública, nomeadamente aos clubes desportivos, ou se esses são discriminados nesta questão.
A Sr.° Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Sr.' Presidente, Sr. Ministro, a primeira questão que pretendo colocar refere-se precisamente a este artigo 58.°, ao seu n.° 2. Admito perfeitamente que o Sr. Ministro e o Governo, neste momento, não tenham ainda a listagem das entidades que venham a ser abrangidas por este n.° 2, quanto à redução dos créditos, que, como é redução e não eliminação, pode ir de 0,1 % aos 99,9 % de redução.