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II SÉRIE-C — NÚMERO 24
toris. Por isso se tem entendido que a interpretação das leis à luz dos princípios consagrados no artigo 9.° do Código Civil segue de perto, de algum modo, a corrente objectivista, com laivos de subjectivismo. Importa, pois, apurar a mens legis, o que tentarei fazer socorrendo-me fundamentalmente dos elementos gramatical ou textual, teleológico e sistemático, tanto mais que se torna extremamente difícil, por se desconhecerem trabalhos preparatórios directamente relacionados com a disposição legal em apreço, decifrar o pensamento do legislador de modo a obter o preciso sentido da norma por si construída.
Partir-se-á, obviamente, do pressuposto de que se trata de uma tarefa de interpretação hoc sensu e não da integração de quaisquer lacunas, sendo certo, todavia, que a relativa imprecisão na redacção do inciso pode ser sempre corrigida por via de alteração legislativa, da competência exclusiva, como se referiu, da Assembleia da República.
4— Como resulta dos artigos 15.°, n.° 2, alínea a), e 27.° da Lei n.° 72/93, a comparticipação pública a que se tem vindo a fazer referência constitui uma das formas legalmente possíveis de financiamento das campanhas eleitorais. À subvenção estatal têm direito, nos termos definidos no mencionado artigo 27.°. os partidos políticos que submetam candidaturas às eleições dos órgãos colegiais, eleitos por sufrágio directo, secreto e periódico, referidos no preceito e os candidatos, no caso da eleição do Presidente da República, órgão de soberania unipessoal. O montante da subvenção, que é obrigatoriamente solicitada ao Presidente da Assembleia da República dentro dos 15 dias posteriores à declaração oficial dos resultados através da publicação do mapa na competente série do Diário da República, varia consoante a eleição de que se trate, correspondendo a 2500 salários mínimos nacionais mensais para a eleição da Assembleia da República e dos órgãos electivos representativos das autarquias locais e a 1250 salários mínimos mensais nacionais para a eleição do Presidente da República (PR), conforme resulta do n.° 3 do artigo 27." da Lei n." 72/93.
No caso da Assembleia da República, têm direito à subvenção os partidos políticos que concorram no mínimo a 51% dos lugares sujeitos a sufrágio e obtenham, no universo de círculos eleitorais a que concorram, pelo menos 2% dos lugares (n.° 2 do artigo 27." da Lei n.° 72/93).
Na última eleição da Assembleia da República, realizada em 1 de Outubro de 1995, verifica-se, perante o mapa oficial com os resultados da eleição publicado no Diário da República, I." série-A, n.° 246 (suplemento),.de 24 dê Outubro de 1995, rectificado no Diário da República, í.* série-A, n.° 275, de 28 de Novembro dc 1995, que o Partido Socialista (PS), obteve 2 583 755 votos (43,76%),
o Partido Social-Democrata (PSD) 2 014 589 votos (34,12%), o Partido Popular (CDS-PP) 534 470 votos (9,05 %) e a Coligação Democrática Unitária (CDU) 506 157 votos (8,57 %), tendo sido eleitos 112 Deputados do PS, 88 do PSD, 15 do CDS-PP e 15 da CDU e não tendo qualquer das restantes forças parti-dárias concorrentes logrado conseguir assento parlamentar. Assim sendo, todos os quatro partidos com assento parlamentar reúnem as condições das quais a lei faz depender a atribuição da subvenção estatal.
5 — Em abstracto, a repartição da subvenção processa--se nos seguintes termos: 20 % são igualmente distribuídos
pelos partidos e candidatos que preencham os referidos requisitos e os restantes 80 % distribuídos «na proporção dos resultados eleitorais obtidos» (n.° 4 do artigo 27.° da Lei n.° 72/93).
O que deverá, então, ser entendido por «resultados eleitorais obtidos»: o número de mandatos conseguidos (o mesmo é dizer deputados eleitos) ou o número de votos alcançados?
A resposta terá de ser encontrada a partir da leitura conjugada do n.° 4 do mencionado artigo 27." com os restantes números do preceito, bem como da visão de conjunto, denuo do espírito do sistema, de todas as disposições constitucionais e legais sobre a matéria.
6 — Fazendo-se uma leitura atenta do n.° 2 do artigo 27.° da Lei n.° 72/93 no que concerne à fixação dos pressupostos indispensáveis à concessão da subvenção, constata-se que o legislador utilizou, certamente não de forma indistinta, as expressões «lugares sujeitos a sufrágio» e «votos», no primeiro caso para a AR e para os órgãos autárquicos electivos e no segundo para o Presidente da República. A destrinça tem, como se verá, uma importância fundamental para a determinação do sentido correcto do inciso objecto da interpretação.
Com efeito, na eleição da AR e dos órgãos colegiais em geral, por força do princípio da representação proporcional e da aplicação do método de Hondt, os mandatos são conferidos por círculos eleitorais, acontecendo que uma lista candidata pode nuns círculos recolher votos que de nada valem para efeitos de obtenção do último mandato a atribuir, na medida em que não atingem o quociente seguinte mais alto, e noutros necessitar porventura dos votos «perdidos» naqueles para obter novo mandato, o que significa, em suma, que a finalidade úlüma do sufrágio é a obtenção de mandatos e não de votos. Representam os votos o meio ou instrumento indispensável à obtenção dos mandatos, mas são estes — não aqueles — o objectivo e o resultado prático da eleição. Por outras palavras: o que se pretende com o sufrágio é eleger deputados através, necessariamente embora, da recolha do maior número de votos, mas distribuídos da forma o mais heterogénea e irregular possível e de modo ao melhor aproveitamento concreto dos «restos» nos círculos eleitorais mas «deficitários».
No nosso sistema eleitoral, desenhado essencialmente nos artigos 116.° e )52.° a 155.° da CRP e 12." a 17.° da Lei n.° 14/79, de 16 de Maio, a proporcionalidade opera, não nos votos em si mesmos considerados, mas na conversão dos votos em mandatos através do método da média mais alta de Hondt, assim como o grau de representatividade de cada partido se mede, não como sustenta o CDS-PP, pelo número de votos, mas, sim, pelo número de mandatos alcançados. Ou seja, como decorre, entre outros comandos constitucionais, do n.° 5 do artigo 116.° da CRP, é a conversão dos votos em mandatos — não os próprios votos — que é feita de harmonia com o sistema de representação proporcional. A expressão prática da democracia, exercida por representantes eleitos pelo provo, reside, assim, nos mandatos, pois é através destes —e não directamente por via dos votos— que o poder político é exercido em nome do povo (cf. artigos 11." e 150.° da CRP).
Ao invés, a eleição do mais alto magistrado da Nação é directamente determinada pelo número de votos que cada candidato obtém. Na medida em que se trata da eleição