4 DE NOVEMBRO DE 1997
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9 — Tudo o que se disse encontra eco em ordenamentos jurídicos próximos dos nossos, onde a presente questão tem vindo a ser discutida. Desde a Alemanha e Espanha, cujas Constituições dispõem expressamente que as conclusões das comissões de inquérito não vinculam os tribunais (artigo 44." da lei fundamental alemã e artigo 76.° da Constituição espanhola). Até à França, onde, apesar da regulamentação infraconstitucional ser proibitiva dos «inquéritos paralelos», exclusivamente derivado de reacção à negativa prática constitucional das 111 e IV Repúblicas, na verdade as comissões de inquérito têm vindo a assumir o poder de deliberar sobre a suspensão ou não dos seus trabalhos.
A doutrina dominante não tem dúvidas em admitir os «inquéritos paralelos» não só pela diversidade de funções exercidas pelas comissões de inquérito e pelos tribunais como também pela paridade do valor constitucional de ambas as funções (N. Achterberg; J. Vetter).
10 — Em conclusão, somos de opinião, sustentada pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, que não há qualquer desconformidade com a Constituição no objecto da presente Comissão de Inquérito ao Aval do Estado à UGT, tal como ele se encontra prefigurado na Resolução n.° 30/97 da Assembleia da República.
B — Apreciação da conformidade constitucional e legal do aval do Estado à UGT
a) Conformidade com a base i da Lei n.! 1(73 1
I — Afastada a questão prévia examinada, importa prosseguir com a análise da conformidade do acto de concessão do aval à Lei n.° 1/73.
A primeira questão prende-se com a integração da UGT no âmbito subjectivo da base i da Lei n.° 1/73. Aí se fala em «províncias ultramarinas, institutos públicos e empresas nacionais». Não sendo a UGT uma entidade de direito público, importa, pois, averiguar se ela se enquadra no conceito de «empresas nacionais».
Refira-se, desde já, que o despacho de concessão do aval (despacho n.° 122/97-XIII) é totalmente omisso quanto às razões que terão levado o Ministro das Finanças a considerar a UGT integrada no âmbito subjectivo da base i da Lei n.° 1/73. Omissão de realçar face à natureza de confederação sindical que reveste, bem como por comparação face à justificação que se encontra no despacho relativamente ao seu enquadramento nas condições referidas nos n.os 1 e 2 da base n da referida lei.
Porém, na documentação que foi presente à Comissão vê-se que esta questão não foi pacífica, tendo, aliás, sido um dos fundamentos que levaram a DGT a emitir parecer negativo à concessão deste aval (informação n.° 208/1997, de 5 de Março).
O Ministro das Finanças decidiu, não obstante, conceder o aval, fundando-se na informação n.° 1/97 do seu Gabinete, datada de 7 de Março de 1997, também presente à Comissão. É nesta informação que poderemos encontrar os argumentos que justificaram a integração da UGT no âmbito subjectivo de aplicação da Lei n.° 1/73. E foram dois os argumentos expendidos: a restrição subjectiva da base i da Lei n.° 1/73 seria inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e da imparcialidade expressos no artigo 266.°, n.° 2, da Constituição, como princípios conformadores, também, da actividade prestadora da Administração; de qualquer .forma a utilização de ele-mentos históricos e teleológicos de interpretação não permitem realizar uma interpretação tão restritiva da citada base í.
Este entendimento foi confirmado pelo Ministro das Finanças na audição que prestou a esta Comissão. Aí teve oportunidade de referir que «manifestamente a UGT tinha um direito ou uma expectativa legítima para receber o aval naquelas circunstâncias. Em primeiro lugar, por imposição da regra da igualdade [...] quando o Estado atribui benefícios a entidades, a administração prestadora do fomento tem obrigação de observar os mesmos critérios para todas.» Mas, disse mais, aderindo a um «conceito funcional de empresa», um «conceito jurídico-económico, em que não está em causa a natureza subjectiva de certas entidades (...]. Qualquer entidade que exerça aquele tipo de actividade é empresa para efeitos do direito económico, comunitário e português.»
Estes foram, portanto, os argumentos que permitiram ao Ministro das Finanças conceder o aval à UGT. Adoptou--se um conceito funcional de empresa tal como ele é utilizado no direito comunitário da concorrência, tendo em conta que o aval não podia ser negado à UGT por terem sido concedidos anteriormente avais a entidades de «natureza semelhante», face aos princípios constitucionais da igualdade e da imparcialidade conformadores da actividade prestadora da Administração.
2 — Vejamos, então, qual o verdadeiro conceito de empresa constante da Lei n.° 1/73 e, caso a UGT não se enquadre nesse conceito, se a ele tem de ser equiparada, atentos os princípios da igualdade e da imparcialidade
A Lei n.° 1/73 contém a mesma terminologia utilizada pelo diploma de 1961 (Decreto-Lei n.°43 710, de 24 de Maio de 1961), que pela primeira vez^veio permitir ao Estado garantir obrigações de terceiro. Com efeito, no Decreto-Lei n.°43 710 lê-se, no seu artigo 1.°, que «é autorizado o Ministro das Finanças a dar, por uma ou mais vezes, o aval do Estado a operações de crédito externo a realizar por empresas nacionais, desde que tal seja considerado justificado pela natureza e importância do objecto dessas empresas e pela segurança que, sob todos os pontos de vista, elas ofereçam ao Estado». (Sublinhados nossos.)
No artigo 2.° permitia-se que «outras entidades particulares ou oficiais» utilizassem parte do empréstimo garantido, para execução do mesmo empreendimento de fomento.
Neste primeiro diploma do aval do Estado é evidente um conceito de empresa, como entidade com condições para o desenvolvimento de empreendimentos de natureza económica, propiciadores da estabilidade e progresso económico do País. O desenvolvimento desses empreendimentos deveria corresponder ao objecto dessas entidades.
Na Lei n.° 1/73 voltou-se a utilizar o termo «empresas nacionais», na sua base i. Refira-se, porém, que não era essa a terminologia da proposta do Governo apresentada à Assembleia Nacional (proposta de lei n.° 20/X). Com efeito, aí se falava em «sociedades anónimas». A alteração de terminologia, com o regresso à utilizada no Decreto--Lei n.°43 710, deu-se por sugestão da Câmara Corporativa (parecer n.°40/X), apoiada pela Assembleia Nacional.
Com base nesta alteração de terminologia; entre a proposta do Governo e a versão final da lei têm sido expendidas interpretações contraditórias sobre a real mens legislatoris. Sendo a interpretação subjectiva um elemento auxiliar da interpretação das leis, apesar de tudo importante, embora não conclusivo (artigo 9.° do Código Civil e, por todos, Manuel de Andrade), cumpre aprofundar melhor esta questão.
3 — A Câmara Corporativa, no seu parecer n.° 40/X, sugere que se substitua o termo «sociedades anónimas» por