4 DE NOVEMBRO DE 1997
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5 — Assim, face a esta análise que realizámos, temos de concluir que, pelos elementos subjectivos e históricos de interpretação, a Lei n.° 1/73 exigia mais que a prossecução de uma mera actividade económica, exigia que essa actividade fosse prosseguida como objecto principal de uma entidade com dimensão económica e organizacional adaptada às exigências da própria dimensão do empreendimento, configurando-se essa entidade, preferencialmente, sob a forma de sociedade anónima, podendo deter ainda a forma de sociedade por quotas ou cooperativa.
Não tem, pois, sustentação o entendimento seguido pela informação n.° 1/97 do Gabinete do Ministro das Finanças, quando limita a exigência da Lei n.° 1/73 à existência de uma «actividade empresarial de interesse público», pois aquela lei foi igualmente concebida tendo em vista o limite de incidência subjectiva relativo às entidades societárias ou cooperativas com suficiente dimensão organizacional e económica para levar por diante aquela «actividade empresarial de interesse público». Os dois limites são incidíveis na Lei n.° 1/73. Não basta a entidade empresarial, como não basta a actividade empresarial, é necessário que os dois requisitos se conjuguem para permitir desencadear o Tatbestand da lei.
6 — Esta a conclusão histórico-subjectiva. Importa, residualmente, verificar se uma análise meramente actualista, tendo em conta o fim querido pela lei (Manuel de Andrade), permite continuar a sustentar a interpretação a que se chegou.
A Lei n.° 1/73 inseria-se numa modalidade de intervenção directa do Estado na economia, através do apoio à iniciativa económica (fomento), reduzindo o custo dos factores produtivos ao atribuir uma garantia de crédito que, como para todos os Estados da OCDE, é considerada uma garantia a 100 %, nas palavras de João Salgueiro na audição que prestou à Comissão.
Trata-se de uma ajuda especial com possíveis encargos para o Estado caso o crédito garantido não-seja pontualmente pago pela entidade avalizada. Inicialmente vedada ao Estado, esta forma de apoio tornou-se possível em 1961 para obtenção de crédito externo, no seguimento da lei de fomento desse ano, tendo sido alargada à garantia de crédito interno com a Lei n.° 1/73, no seguimento, também, das teis de fomento de 1972/1973. Reveste-se, pois, de um carácter excepcional que se repercute nos requisitos necessários à concessão de aval: limitação de beneficiários (basei e n.°2 da base n) e limitação de empreendimentos (n.° I da base u).
Assim, por um lado, o aval só pode estar disponível para institutos públicos e para empresas que ofereçam a segurança^ suficiente para fazer face às responsabilidades que pretende assumir, responsabilidades não só económicas, decorrentes do crédito obtido, mas também de estrutura financeira e orgânica administrativa que lhe permitam concluir com êxito o empreendimento de interesse público que se propôs concretizar.
Por outro, o aval só poderá ser prestado em relação ao Financiamento de empreendimentos ou projectos de manifesto interesse para a economia nacional, por si considerados ou derivados da participação estatal.
A Lei n.° 1/73 tinha ainda hoje sentido como meio de apoio da economia para permitir a realização de empreendimentos de interesse público, pressupondo uma relação de confiança nas capacidades da entidade promotora para a plena realização desse empreendimento. Não pode, pois, ser vista a Lei n.° 1/73 como meio de recuperação de
empresas em situação económica difícil, a não ser que a participação estatal no empreendimento a ser levado a cabo por essa entidade imponha a manutenção da empresa em situação economicamente equilibrada.
Por nós, entendemos que a Lei n.° 1/73 tem, pois, por objectivo o apoio económico-financeiro a entidades que sejam capazes de realizar empreendimentos de interesse público.
Como acontece relativamente a qualquer prestação de garantia, o elemento subjectivo torna-se essencial. Não se garante apenas porque se acredita num projecto, mas fundamentalmente porque se acredita nas capacidades do seu promotor. Todas as garantias são dadas intuitus personae.
1 — De acordo com este entendimento, consideramos que a Lei n.° 1/73 exige um mínimo de requisitos à entidade promotora, que se consubstanciam no conceito de empresa, não se bastando com a mera análise da actividade por ela desenvolvida. Esta última é um requisito autónomo e como tal deve ser encarado.
8 — Como vimos, já o conceito de empresa adoptado pelo Ministro das Finanças toma por base o conceito desenvolvido pelo direito comunitário da concorrência, conceito amplo que abrange qualquer actividade económica susceptível de intervir no mercado, independentemente da natureza do sujeito titular dessa actividade. Este conceito de empresa seria o adoptado por todos os ordenamentos jurídicos dos Estados membros da Comunidade Europeia, pelo que seria o conceito a tomar face a uma interpretação actualista da Lei n.° 1/73.
Não podemos estar mais em desacordo com esta argumentação. Já nos anos 50, Gieseke entendia que «a essência da empresa é modificável e, por isso, também, não deve ser fixada através de uma definição jurídica no interior de uma dada constituição económica». Mais recentemente, Barbosa de Melo concluía que «estamos, pela própria natureza das coisas, perante um conceito jurídico de natureza tipológica, cujas características formam um conjunto aberto necessariamente dependente dos dados da experiência jurídica concreta; a sua intenção e extensão são por isso maleáveis, porosas e flutuantes».
Ainda, com a autoridade de ter escrito o estudo mais recente e profundo sobre o conceito jurídico de empresa, Coutinho de Abreu afirma como inviável um conceito de empresa unitário, existindo antes uma pluralidade de conceitos, tantos quantos os objectos específicos de empresas ou de acordo com a finalidade com que são olhados. Este autor dá, desde logo, o exemplo do direito comunitário e do direito do trabalho, onde o conceito de empresa se apresenta específico e não transponível de um para o outro. No próprio direito comunitário Coutinho de Abreu encontra, pelo menos, dois conceitos distintos de empresa: um próprio do direito da concorrência, construído para a aplicação das regras próprias a este ramo do direito, e outro aplicável fora dele. Como referiu Orlando de Carvalho, «mesmo quando generosa, a ideia ampla de empresa é sempre mais metajurídica do que jurídica e tem sempre mais relevo programático do que sistemático».
Assim, não há um conceito de empresa, mas tantos quanto os tipos de empresa considerados: empresas públicas ou privadas, empresas industriais, mercantis, agrícolas ou artesanais, etc. Pelo que a aplicação do conceito de empresa próprio ao direito comunitário da concorrência não pode ser aplicado à Lei n.° 1/73 sem que
se chegue à conclusão de que o tipo de empresa bene-