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0005 | II Série C - Número 060 | 29 de Junho de 2006

 

Por outro lado, o legislador português quis evitar que a vontade do órgão representativo, expressa através de uma deliberação definitiva, já não retractável, pudesse correr o risco de ser desautorizada, deslegitimada ou desafiada por uma vontade com ela contraditória, expressa através do resultado de um referendo que obrigasse a corrigi-la. Por isso, a iniciativa de referendo tem de ser apresentada, admitida e aprovada antes de uma deliberação definitiva da Assembleia da República sobre a matéria sobre a qual recai essa iniciativa, o mesmo sucedendo, aliás, com a própria convocação e realização do referendo.
É esse o sentido imediato do artigo 4.º, n.º 1, da Lei Orgânica do Regime do Referendo, já citado, quando estipula que só podem constituir objecto de referendo "as questões suscitadas por convenções internacionais ou por actos legislativos em processo de apreciação, mas ainda não definitivamente aprovados".
O que significa "não definitivamente aprovados"? Quando é que se deve entender que o acto legislativo ou convencional já foi "definitivamente aprovado", ficando, assim, precludida a admissão e a votação de uma iniciativa (popular ou outra), bem como a convocação e realização de um referendo sobre matéria tratada nesse acto?
A propósito dessa interrogação a doutrina e a jurisprudência constitucional manifestam uma inusual unanimidade: acto definitivamente aprovado, ou objecto de aprovação definitiva, é o acto já objecto de votação final global.
Esta é a posição do Tribunal Constitucional, expressa no Acórdão n.º 288/98 , onde se pode ler, a certo passo, "(…) se o referendo deve ser considerado viável em qualquer momento anterior à aprovação do texto legislativo, ainda se poderá perguntar o que se deve entender por aprovação: se apenas a aprovação definitiva - isto é a votação final global - como resulta da Lei Orgânica do Regime do Referendo, ou se logo a aprovação na generalidade, após a primeira votação em plenário (…)".
Saliente-se que o que detinha o Tribunal, na circunstância, era se a própria votação na generalidade não deveria ser já considerada aprovação definitiva. O Tribunal decidiu negativamente e foi peremptório em considerar que aprovação definitiva é a votação final global.
Na doutrina merecem destaque Jorge Miranda/Rui Medeiros e Luís Barbosa Rodrigues.
Na anotação ao artigo 115.º da Constituição da República Portuguesa, de Jorge Miranda e de Rui Medeiros , refere-se que "(…) em qualquer das fases do procedimento legislativo, até à votação final global, pode ser desencadeado o procedimento do referendo, com a consequente suspensão daquele e com a sua eventual retoma se o resultado do referendo for negativo ou não vinculativo".
Semelhante opinião tem Luís Barbosa Rodrigues ao afirmar que "(…) o objecto do referendo não são actos já aprovados mas, sim, questões que, uma vez favoravelmente respondidas pelo povo, nesses actos típicos encontrarão necessária tradução futura. Significa isso que todo o referendo será prévio à aprovação, quer estejamos na presença de tratado ou acordo quer na de lei ou decreto-lei".
Ora, no momento em que o Presidente da Assembleia da República irá proferir o despacho sobre a admissão da iniciativa popular de referendo sobre as questões da procriação medicamente assistida já se efectuou a apreciação e a aprovação definitiva (em votação final global) do texto que resultou do processo de discussão dos projectos de lei n.os 141, 151, 172 e 176/X, respectivamente, da autoria do BE, PS, PCP e PSD. Com efeito, a votação final global do texto de substituição daqueles projectos de lei ocorreu no passado dia 25 de Maio. Neste momento, não se encontra pendente de deliberação parlamentar qualquer iniciativa sobre a matéria em causa.
Por outro lado, a iniciativa popular ora sob apreciação não preveniu essa possibilidade e não se fez acompanhar de projecto de lei relativo à matéria a referendar, sendo este um requisito de forma exigido pelo n.º 4 do artigo 17.º da Lei Orgânica do Regime do Referendo nos casos em que não se encontre pendente, no Parlamento, acto sobre o qual possa incidir o referendo.
Conclui-se, portanto, que a iniciativa popular de referendo objecto do presente parecer viola o disposto no n.º 1 do artigo 4.º da Lei Orgânica do Regime do Referendo, que impede que matérias suscitadas por convenções internacionais ou por actos legislativos já definitivamente aprovados, como é o caso da procriação medicamente assistida, sejam objecto de referendo. Acresce que não preenche os requisitos previstos nos artigos 7.º, n.º 2, e 17.º, n.º 4, da Lei Orgânica do Regime do Referendo.
Tanto basta para que a iniciativa popular de um referendo nacional sobre as questões da procriação medicamente assistida não possa ser admitida pelo Presidente da Assembleia da República.

IV - A questão da suspensão do processo legislativo em curso

É lícito alegar-se que, embora neste momento já não possa haver admissão da iniciativa popular, no momento em que ela deu entrada na Assembleia da República ainda era possível a admissão, pelo que o processo legislativo deveria ter sido suspenso.
Esta alegação não tem qualquer fundamento legal. A entrada de uma iniciativa popular na Assembleia da República não tem efeito suspensivo de processos legislativos ou convencionais em curso. Tão pouco alcança tal efeito suspensivo a admissão da iniciativa popular pelo Presidente da Assembleia da República. Na

In Diário da República, I Série- A, de 18 de Abril de 1998, pág. 1714 (2) e ss.
Cfr. Constituição da República Anotada, Tomo II, Coimbra Editora, 2006 (pág. 295-312)
in O Referendo Português a Nível Nacional, Coimbra Editora, 1994 (pág. 198-216)