Ainda quanto à questão dos direitos fundamentais e à inversão do ónus da prova, a Lei n.º 5/2002 prevê a inversão do ónus da prova em caso de condenação pelos crimes de catálogo nela previstos e para património adquirido nos últimos cinco anos que não seja produto do crime da condenação, mas que não tenha proveniência lícita. O arguido terá de provar a proveniência lícita.
A presidência dinamarquesa da União Europeia até propõe - é uma proposta de directiva, que se calhar também vai ter que ser aprovada pelo Governo português e aplicada no nosso quadro legal - a declaração de perda de bens de cônjuge ou de bens que sejam transmitidos a sociedades utilizadas como "testa de ferro" e que não estejam ligados à condenação do crime propriamente dito, mas à actividade criminosa da pessoa nos últimos cinco anos. E propõe um leque de crimes muito mais vasto do que aquele que está previsto na Lei n.º 5/2000.
Portanto, não são originalidade minhas nem ataques aos human rights, são matérias que se discutem hoje na Europa por causa da agressividade do crime internacional organizado e do perigo que ele representa para os orçamentos da Comunidade, para o Estado português, para a democracia e para a estabilidade económica e política.
Quanto à coerência, podemos ficar a saber as cartas de cor (isto até já aparece o processo do Melancia, com tanto fax e tantas cartas…), mas não há qualquer incoerência nem contradição. Estive muito relutante, não ia contar na praça pública estes pormenores, que penso serem desprestigiantes para quem actua de forma tão caprichosa - a discricionariedade tem que ser fundada.
O Dr. Adelino Salvado não teve qualquer conversa séria comigo, esperou que eu fosse de férias e, às 10 da manhã - um bocado depois das 10 horas, para não dizerem que entrei em contradição quanto às horas -, telefonou-me, propondo-me que eu pedisse a cessação da comissão. Toda a evolução dos acontecimentos mostra que ele um homem preparado para o efeito, que não foi apanhado de surpresa. Tinha uma pessoa escolhida que tomou posse segunda-feira, quando a demissão é aceite na quinta-feira, tinha o projecto de protocolo, tinha a alteração da lei orgânica, o plano financeiro da Polícia Judiciária e tinha todas estas operações para escorarem a minha saída, dizendo: "Não digam agora que eu não combato o colarinho branco". Portanto, ele achou que era o momento ideal para se desfazer de mim.
Não tinha intenções políticas, não tenho projectos político-partidários. Se tivesse, estava na política há muito tempo, como estava o meu companheiro de partido na altura, José Manuel Durão Barroso, e como está o José Lamego, legitimamente. Mas, naquele tempo cada um seguiu o seu caminho. Acreditei num determinado projecto, e quando vim para o Ministério Público, o que tem tantos anos quantos tem a minha filha hoje, foi por abandono de um projecto político-partidário. Não é que eu pense ilegítimo que as pessoas tenham uma militância político-partidária, eu é que não tenho.
Quando o Dr. Adelino Salvado me empurra para fora da Polícia e aparece toda esta confabulação à volta do meu nome, senti necessidade de marcar o meu terreno de magistrada. Está a perceber, Sr. Deputado? Não ia explicar ao Público, ao Expresso, ao 24 Horas, ao Correio da Manhã, ao Independente, ao que quer que fosse, que o Sr. Director Nacional me tinha telefonado às 10 da manhã a pedir para eu me demitir, porque isso ia desprestigiar o Sr. Director nacional. E eu ainda o via com os olhos de magistrados, porque nos conhecemos no tribunal.
Os magistrados têm um nome, têm uma cotação, os nomes dos magistrados têm uma cotação, como na bolsa e o nome do Sr. Desembargador tinha uma cotação, como o meu. Levei muito tempo a compreender isto. Mas, atenção!, não há aqui qualquer incoerência. Enquanto não compreendi o fenómeno, optei, prudentemente, repito, prudentemente, seriamente, com respeito pelo Dr. Adelino Salvado, sem uma palavra que lhe é cara, que é o "envinagramento", por esta solução.
Quando escrevi a carta no dia 29, dois depois de me ter empurrado para fora da Polícia, tinha os operacionais todos da Alexandre Herculano a chorarem, desde os segurança, passando pelos inspectores, aos coordenadores. Não havia ninguém que consegui-se despedir-se de mim sem chorar! Eu não sabia o que é que ia acontecer àqueles homens e senti necessidade de escrever aquela carta.
Mais: quis ir à Gomes Freire entregar o crachá da Polícia ao Dr. Adelino Salvado, que não me recebeu. Isto é um comportamento caprichoso, não fundado, que não compreendo, não tenho instrumentos para compreender! O Dr. Adelino Salvado disse-me: "Não me massacre". E, portanto, é justo para o Dr. Adelino Salvado que eu diga isto nesta Comissão.
Os Srs. Deputados têm que saber se querem a verdade material - a verdade formal está nas cartas, a verdade material está naquilo que eu digo, mas a verdade é inconfundível, ainda que processualmente inválida, e toda a evolução dos acontecimentos mostra que eu fui empurrada. Simplesmente eu tinha um compromisso e disse-lhe: "Sim, eu peço para sair". E assumi-o publicamente, assumi publicamente a bem da Polícia Judiciária, a bem do Sr. Director Nacional, porque considerei que era preponderante o interesse da Direcção Nacional da Polícia Judiciária.
Mas, depois disso, compreendi muita coisa, que também não podia compreender na altura. Como já expliquei, há um autor moral e há um autor material - depois, o Sr. Doutor pode brincar à vontade com as autorias materiais e morais ao longo do processo que expliquei. Simplesmente, naquele dia 27 houve um autor moral e um autor material. Não rejeito as responsabilidade de autora material. Pedi a demissão, podia ter escolhido outro caminho, podia ter dito: "Não, demita-me, demita-me". Mas tenho orgulho, optei por pedir eu a demissão.
Não digo que não pedi a demissão, mas não posso dizer que pedi a demissão porque tivemos grandes discussões, porque o Dr. Adelino Salvado não concordava com a minha estratégia, porque discutimos isto, aquilo e aqueloutro. Não discutimos absolutamente nada! Não discutimos sequer aquilo que estamos a discutir aqui, e daí a expressão "história sem história".
A única coisa foi: "Isto vai mudar tudo, já sei que a senhora não concorda, portanto, como personalidade de prestígio, peça a cessação da comissão". E eu, sem escolha, sem qualquer hipótese de escolha, fui metida neste processo irreversível em que fui lançada para a fogueira, fui transformada em dinamite política, por iniciativa do Sr. Director Nacional! Não foi por minha iniciativa! A minha única iniciativa era ser fanática no combate ao crime económico organizado, nele incluindo o branqueamento e a corrupção. Porventura, era o meu único fanatismo. Era a única coisa que eu via naquele momento.
O Sr. Director Nacional estava a falar com uma pessoa esgotada de não dormir e de quase não comer. Desde o dia 24 de Novembro de 2002 que eu não parava, e não porque fosse eu a executar as coisas, mas porque tinha que