dificuldades técnicas que há em aplicar um sistema de diferenciação positiva no ponto de encontro do utente com o Serviço Nacional de Saúde, preferia, apesar de tudo, pagar o parto gratuitamente à Rainha de Inglaterra do que instaurar taxas moderadoras ou sistemas muito diferenciados. Este argumento da Rainha de Inglaterra, como calculam, não é meu, é um argumento dos teóricos ingleses da economia da saúde e tem mais de 30 anos, mas, de facto, esta é realmente uma questão técnica. De facto, já hoje fazemos diferenciação positiva. Designadamente, quando temos, por exemplo, diferentes níveis de comparticipação nos medicamentos prescritos, em função do risco do paciente hospitalizado ou quando temos medicamentos life saving, com 100% de comparticipação, estamos a fazer uma diferenciação positiva. Ou seja, quando hoje fazemos uma diferenciação que se traduz numa bonificação para os pacientes que têm mais de 65 anos de idade, através da comparticipação medicamentosa, estamos a fazer diferenciação positiva.
Mas sabe o que é que se passa, Sr. Deputado? O que se passa é que neste momento há 60% de receitas que são apresentadas como vindas de pessoas com mais de 65 anos de idade. E estes casos não acontecem apenas em Portugal. Aconteceu exactamente o mesmo em França, em Espanha e em mais sítios.
Portanto, o problema que se coloca é o seguinte: se os mecanismos de selectividade ou diferenciação positiva não forem rigorosamente controlados, há uma tendência para a usura técnica, para a derrapagem e para entrar em perda.
Vou dar-lhe um exemplo de um caso onde entendo que é possível fazer diferenciação positiva, sem que, de qualquer forma, isso "enrugue" os meus pergaminhos socialistas. Quando tivermos as urgências reorganizadas, através do modelo de Manchester, isto é, com cinco níveis de emergência, o que significa que teremos "à mão" o centro de saúde para onde podemos enviar o doente que não necessita de ser internado nem tem uma situação de emergência mas, sim, uma situação de urgência, posso afirmar que não tenho qualquer prurido em que seja oferecida a este paciente, que não precisa de ser tratado na urgência hospitalar, uma de duas alternativas, desde que seja assistido no próprio dia: ou vai ao seu centro de saúde ou ao centro de saúde que lhe é disponibilizado, e é tratado gratuitamente; ou, então, se quer ser tratado no hospital, paga uma taxa moderadora mais alta.
Este é o exemplo típico de uma situação em que me parece que não há qualquer atentado ao princípio da universalidade e, pelo contrário, onde é possível fazer uma diferenciação positiva de forma perfeita ou, pelo menos, aproximada.
Quanto à questão que o Sr. Deputado suscitou relativamente aos imigrantes, devo dizer-lhe que tem toda a razão. De facto, não é possível ter milhares de imigrantes de países com os quais Portugal não tem acordos de reciprocidade - julgo que temos cerca de 300 000, e vamos ter certamente perto de 1 milhão no final da década, se a economia crescer sustentadamente - e exigir-lhes a cobrança de pagamentos nos serviços de saúde. Por isso, quanto à questão de fundo, não tenho a menor discordância com V. Ex.ª. Todavia, existe a Constituição, que, rigorosamente interpretada, não nos permite fazer isso a residentes em Portugal oriundos de países com os quais não temos acordos de reciprocidade. No entanto, estamos disponíveis… aliás, há um despacho que, suponho, foi para publicação…
Concretamente, em relação a este ponto, os serviços de saúde adoptaram posições diferentes, sendo que a maior parte das administrações regionais seguiram a postura de ignorar o problema, continuando a permitir o acesso livre desses cidadãos estrangeiros. Houve, no entanto, uma administração regional de saúde que foi um pouco mais rigorosa, foi à Constituição, muniu-se de um parecer, e achou que não devia permitir o acesso livre desses cidadãos estrangeiros.
Quanto a esta situação, devo dizer que o despacho que assinei diz mais ou menos o seguinte: "Nas situações em que não haja reciprocidade, desde que o imigrante faça prova de que está a cumprir os seus deveres para com a segurança social, não há a menor razão para lhe recusar a gratuitidade na assistência. Todavia, mantemos o pagamento para aqueles que não fazem prova da sua integração na segurança social."
Mesmo que isto me custe muito, penso que temos de manter um incentivo para que os trabalhadores clandestinos sejam motivados no sentido de ter uma intervenção forte, exigindo das entidades patronais a sua inscrição na segurança social. Esta é a nossa intervenção sobre esta matéria.
Quanto ao "realismo do Orçamento para 2002", segundo as palavras do Sr. Administrador do Hospital de Santa Maria, é evidente que não partilho dessa opinião nem me parece, sequer, muito avisado que o Sr. Administrador do Hospital de Santa Maria faça declarações públicas desse tipo. Simplesmente, nós não praticamos a "lei da rolha", no Ministério da Saúde. Eu limitei-me a chamar o Sr. Director do Hospital de Santa Maria, a ter com ele uma conversa e a recomendar que não me parecia curial que um alto funcionário do Ministério fizesse aquelas declarações. Foi tudo o que fiz sobre esta matéria.
Mas vamos ao fundo da questão.
E o fundo da questão é que Santa Maria é um hospital geneticamente doente, do ponto de vista gestionário. É um hospital que tem uma faculdade, é um hospital com cerca de 1250 camas, 6000 utentes, profissionais, com mais de 10 000 visitantes, por dia, é um hospital que tem, neste momento, 20 milhões de contos de défice acumulado. Repito, 20 milhões de contos. Não é, pois, como é natural, um hospital candidato à empresarialização! Porque, então, pegávamos em meia dúzia de "hospitais de Santa Maria", e aí, sim, iam os 80 milhões contos!…
Santa Maria é um hospital "patológico", como, de certa forma, são patológicos outros hospitais. E os casos patológicos têm de ser tratados de forma específica. Não podemos fazer de outra forma.
O que queremos fazer com os 80 milhões de contos da empresarialização? Vamos definir os termos de referência para que os hospitais se candidatem, sendo que só aceitaremos como empresas públicas os hospitais que tenham possibilidade de, com esse investimento, obter dois tipos de ganhos: ganhos de eficiência e ganhos de qualidade. Se os hospitais estiverem nessas condições, então, aceitamos passá-los ao estatuto de empresa pública. O que significa que não se trata de uma passagem automática, nem administrativa. Não é nada disso.
No que diz respeito à questão das horas extraordinárias, penso que, há pouco, já respondi.
Sr. Deputado Francisco Louçã…
O Sr. António Pires de Lima (CDS-PP): - Peço desculpa por interromper, Sr. Ministro, mas gostaria que me