12 DE MAIO DE 1988 303
penal -, já há outros procedimentos em que se pode ser muito exigente e minucioso, sempre salvaguardando, sem margem para dúvidas, as necessárias garantias de defesa, as quais incluem a audiência do arguido e a capacidade de produção da prova.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, nesta fase do debate não se me afigura necessário dizer mais nada, a não ser que apareçam novos dados conducentes a uma eventual réplica ou até tréplica.
Concordamos inteiramente com o que foi dito e entendemos que não nos parece conveniente aprovar aqui um artigo como este. Talvez se possa alargar um pouco a previsão do artigo 269.º, mas num artigo como este não nos parece adequado fazer isso. Se for caso disso, talvez se possa demonstrar que pode ser extremamente inconveniente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, queria pedir-lhe apenas que precisasse as inconveniências que consegue imaginar a partir de uma norma deste tipo, para podermos considerá-las.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, a resposta parece-me ser óbvia. No fundo, todas as garantias do processo criminal são adaptáveis - quase não consigo encontrar uma que não o seja. Se estamos num plano constitucional lógico, ontológico e cronologicamente anterior ao desenho de outros processos, podemos dizer que o processo criminal é direito subsidiário de outros processos, o que me parece ser um facto. De resto, quase todos os estatutos sancionatórios consagram já o princípio da subsidiariedade - e, se não o consagram, devem consagrá-lo. Quando se fala em subsidiariedade parte-se do princípio de que se trata de uma estrutura processual autónoma em ralação à do processo penal. O processo penal intervém dentro dessa estrutura na parte aplicável, pelo que á estrutura funciona como uma redução da complexidade da adaptação. Nesta fase, no entanto, em termos constitucionais, não podemos partir do processo disciplinar que aí está, porque isso não pode ser obstáculo para um legislador constituinte (nós), que não partir do processo de contra-ordenação aí previsto; temos de desenhar esses processos tendo como orientação operativa a ideia de adaptar tudo aquilo que for adaptável.
Do processo criminal tudo é adaptável, desde o discutidíssimo princípio do acusatório. Teria de haver no processo disciplinar um funcionário que fizesse a investigação, talvez outro que fizesse a acusação e outro que preparasse a decisão para a entidade com poder decisório a nível disciplinar. Portanto, tudo é adaptável e, nessa medida, parece-me salutar a preocupação de assegurar as garantias de audiência e defesa, porque as de produção da prova são, por excelência, as garantias de defesa. Mas essas garantias já estão asseguradas no artigo 269.°, pelo que o artigo 32.°-A do PCP introduz de novo é, do meu ponto de vista, e salvo melhor opinião, inconveniente.
O que são os processos sancionatórios? Já vimos que, para além dos processos disciplinares, sê-lo-ão, obviamente, também os processos de contra-ordenação, os processos de instituições e de entidades parapúblicas, designadamente dos partidos políticos; que contendam com os direitos fundamentais dos cidadãos. Se amanhã houver em Portugal, como já há em alguns países - não sei com que legitimidade constitucional e com que sucesso pragmático -, algumas formas de aplicação sancionatória privadas em certos supermercados ou certas empresas - a chamada Betriebsjustiz da República Federal da Alemanha ou a justiça não jurisdicionalizada da RDA, os célebres tribunais de camaradas ou tribunais sociais-, também serão processos sancionatórios. Independentemente da extensão no que toca ao número de processos a que se aplica, parece-me que a norma proposta em si é perigosa e inconveniente, na medida em que, sem se ganhar nada do que toca à intenção do PCP, que é louvável e que aprovamos, isso já tem o quantum necessário no artigo 269.°, e, caso não o tenha, talvez possamos pensar em reforçá-lo. Dizer-se já em sede de direito constitucional "todas as garantias adaptáveis" não me parece curial, pois não vejo nenhuma que não seja adaptável.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Pela nossa parte, Sr. Presidente, partilhamos da preocupação aqui já expressa, pelo menos pelo Sr. Deputado Almeida Santos, de que efectivamente esta norma tem um sentido positivo. Ela visa assegurar, no que diz respeito a esses processos de natureza não criminal, as garantias existentes em relação ao processo criminal, que são adaptáveis àqueles processos.
As observações que foram feitas, designadamente pelo Sr. Deputado Costa Andrade, não me parecem ser suficientes para afastar o carácter positivo que a norma em si mesma apresenta. Isto porque, em primeiro lugar, não nos parece exacto que todas as garantias do processo criminal sejam aqui adaptáveis. Basta, aliás, ler o artigo 32.°, onde se enumeram essas garantias, para ver que algumas delas o não são, nomeadamente a do n.° 4, que diz "toda a instrução é da competência de um juiz" - e isso já foi aqui salientado. Se esta norma visasse a transposição pura e simples para os processos disciplinares e processos sancionatórios de todas as garantias do processo criminal, não se poderia sustentar que seria razoável ou aceitável. Só que ela faz a restrição de só transferir as garantias que sejam adaptáveis e não todas as garantias. Muito embora reconheça que há alguma dificuldade nesta matéria e que é possível melhorar a redacção da norma proposta, a verdade é que esta proposta apresentada pelo PCP é também, a nosso ver, uma proposta positiva que responde a uma intenção positiva aqui vertida.
O Sr. Presidente: - Portanto, os problemas estão quase explicitados.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que V. Exa. s compreenderá que entendamos por aqui que vale a pena responder a algumas das acusações feitas, até porque muitas delas equacionam problemas que devem ser ultrapassados se se quiser caminhar para uma solução construtiva nesta esfera.
Creio que o mais impressionante do conjunto das interrogações suscitadas é o facto de elas contraditarem uma coisa óbvia. Srs. Deputados, perguntaria se pode ser o contrário, isto é, se num Estado de direito democrático é concebível que nos processos disciplinares - todos os processos disciplinares, em qualquer instituição ou entidade, pública ou privada, de qualquer natureza, ou nos processos sancionatórios que haja - não sejam concedidos aos que neles estejam envolvidos os direitos elementares de audiência, de defesa e de produção de prova.