12 DE MAIO DE 1988
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O Sr. Presidente: - Estamos apenas a discutir o n.° 1, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que em relação a esta matéria não poderemos chegar a uma fórmula final ou o que quer que seja. O que se exige aqui é uma ponderação, que agora ficou balizada em termos muito gerais. Penso que poderemos aprofundar alguns dos aspectos que foram aqui suscitados. Pela minha parte só gostaria de abordar um. É o seguinte: o esforço para evitar que a Constituição se transforme - como, aliás, pode suceder com este artigo - numa constituição semântica é necessário. Não pode é conduzir a que se esvazie não só a letra, mas também o conteúdo normativo de dimensões fundamentais da Constituição. Se assim fosse, então para não semantizarmos, semantizaríamos.
O Sr. Presidente: - É óbvio, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Se tudo isto é óbvio, então o caminho a percorrer tem de se situar precisamente na definição das modalidades diferenciadas de exercício, com o recurso a certos valores. É que, como é evidente, ninguém sustenta que do artigo 35.° decorra o direito de o criminoso agarrar nas aplicações informáticas da Polícia Judiciária e dizer: "Deixa-me ver o teu terminal." Tal é insustentável!
Chamo a atenção para o seguinte: o projecto de informatização dos tribunais de polícia está, neste momento, em curso. Já temos um trabalho de tratamento de dados estatísticos de carácter policial, que envolve aspectos bastante melindrosos - embora sejam estatísticos -, e que devem escapar a alguns dos riscos que aqui se procuram acautelar. Em relação à enorme base de dados de identificação civil, que tem mais de 10 milhões de registos e com uma velocidade de consulta diária impressionante, temos sérios problemas, sobretudo na perspectiva da interconexão. Em relação ao registo criminal, que se encontra em evolução e expansão explosiva, temos problemas sérios e nada está acautelado. O mesmo se diga relativamente às pessoas colectivas e aos vários registos, incluindo o registo automóvel.
Coisa não menos apaixonante é a que diz respeito a todas as aplicações da Polícia Judiciária. Lembro que só em relação à aplicação sobre as pessoas a procurar há informações de carácter biográfico, sinalético, policial e outros, sem que esteja instituído qualquer mecanismo de controle, qualquer modalidade de acesso, designadamente rectificativa.
Vai haver uma evolução para modalidades mais sofisticadas de tratamento de dados pessoais, alguns dos quais de grande melindre, e para formas de interconexão, incluindo os equipamentos da PSP e do Serviço de Estrangeiros. Uma qualquer proibição de acesso ou uma qualquer restrição do acesso dos interessados inconsiderada ou só em nome de valores gerais - do género da defesa da existência do estado ou do combate à criminalidade e tal, tal, tal - poderá significar, então, neste ponto a semantização expressa e completa da Constituição.
Correspondo assim com esta apreensão e este alerta para o amor ao real que o Sr. Presidente fazia apelo. O "real" tem duas facetas. Uma delas diz respeito às dificuldades de aplicação da Constituição e a outra ao caminho perigoso que torna impossível, ou que, em certos casos, visa obstaculizar o cumprimento da Constituição.
Era isso que não queríamos, a título nenhum, por qualquer inciso constitucional, favorecer.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, suponho que neste momento não podemos ir mais além.
Vamos agora passar à análise da proposta de aditamento de um novo n.° 1-A para o artigo 35.°, apresentada pelo PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, a proposta do PCP para o n.° 1 do artigo 35.° consagra, no fundo, materializações do habeas data nas suas diversas modalidades e dimensões. Aquilo que pretenderíamos era que se criasse um novo meio judicial. Há ordens jurídicas que consagram esta figura, designadamente as anglo-saxónicas, que são férteis na difusão de figuras deste tipo, e os direitos que nelas se inspiram ou que recebem a respectiva influência.
A nossa proposta visa precisamente a possibilidade de obter um mandato judicial de acesso nos casos em que haja uma obstrução injustificada e ilegal ao mesmo. A experiência não é rigorosamente de anomia, já que a Constituição é directamente aplicável neste ponto, portanto, é possível invocar e exigir o seu cumprimento, mas é de bloqueamento da aplicação de um normativo importante. É face a essa situação que os meios faltam. É evidente que os cidadãos podem, naturalmente, usar o seu direito de petição, podem reclamar, protestar, etc. No entanto, creio que judicialmente é extremamente difícil colocar este tipo de questões, salvo talvez na óptica do direito de indemnização ou de qualquer acção que efective responsabilidades por um prejuízo, quando aquilo que se quer é evitar o prejuízo, quando aquilo que se quer é fazer cessar uma situação de violação que pode ser particularmente grave, designadamente pelo seu carácter reiterado ou pelo momento em que se opera, uma vez que há certas informações que têm de ser actuais para serem informações.
O Sr. Presidente: - É um caso de utilização do n.° 3 do artigo 268.º, que é relativo à acção de reconhecimento de um direito ou de um interesse legítimo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - O problema que aqui se coloca é o de saber se isto justifica a sua consagração constitucional. Não creio que o cidadão esteja tão desarmado quanto isso. Quem reconhece um direito reconhece sempre a forma do seu exercício. Ora acontece que o Código de Processo Civil tem previstas acções meramente declarativas. Um indivíduo pode pedir ao tribunal: "Diga que tenho este direito, porque ele está a ser posto em dúvida. Sr. Juiz, declare que tenho esse direito." É uma sentença meramente declarativa! Essa sentença obriga todas as entidades públicas e privadas. Portanto, o cidadão não está assim tão desarmado e não creio que isso seja em absoluto necessário.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, se descodificarmos a sua análise dos meios disponíveis para aquilo que a realidade dos nossos tribunais demonstra quando passamos do moroso processo declarativo para o drama da execução...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Esse não é moroso, é antes particularmente rápido, porque é um processo de extrema simplicidade. É um processo de jurisdição voluntária, meramente declarativo. É um dos processos mais rápidos previstos no Código de Processo Civil. Pede-se ao juiz: "Aquele sujeito está a pôr em dúvida o meu direito e não quer cumprir. Diga aí que tenho esse direito." Apenas isso.