312 II SÉRIE - NÚMERO 11-RC
do Estado, à investigação criminal e à intimidade das pessoas conexas com interesses legítimos de outros em termos de privacidade. Creio que essa técnica, que é igualmente restritiva e mais precisa, salvaguardaria, e iria ao encontro daquilo que me parece que a proposta do PSD pretende salvaguardar - mas não dessa forma tão lata, como a que a formulação apresentada acaba por conduzir. Portanto, eu chamo a atenção, em termos da consulta do texto que aqui temos à mão: o artigo 268.°, n.º 1, do projecto n.º 3/V, do PS - Sobre o acesso dos cidadãos aos arquivos da Administração, é a questão do arquivo aberto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Tenho impressão de que da parte do PS haveria abertura para, sem curar de fórmulas do tipo "salvo os casos previstos na lei relativos à segurança e defesa do Estado, à investigação criminal, à intimidade das pessoas", isto é, independentemente do elenco, discutirmos essa matéria depois. Dado que tenho alguma responsabilidade no assunto, tenho de aceitar as culpas do que mal formulado ficou, mas quero também explicitai a respectiva intenção.
Acho que há um domínio em que cada vez mais se justifica uma certa recusa e que é um dos domínios mais dramáticos da vida moderna: o da saúde. É possível saber, através de certos registos informáticos, quais as pessoas que têm determinadas doenças, e um dos problemas mais dramáticos é o de saber até que ponto o dever de esclarecimento de certas doenças (é o caso do cancro) pode ser medicamente aconselhável. Existe uma certa antinomia entre o direito que as pessoas têm à informação e o dever que às autoridades de saúde incumbe de preservar a saúde das pessoas, porque saber certas coisas pode ter consequências dramáticas para a saúde das mesmas. No caso de rastreios em relação a certo tipo de doenças, ao chegar-se à conclusão de que determinadas pessoas têm sintomas que indiciam essas doenças, como, por exemplo, a SIDA e o cancro, pode pôr-se o problema de saber se não se deve, em certos casos, recusar às pessoas o direito de conhecerem as informações obtidas.
O Estado e a colectividade podem, para efeitos profilácticos e de prevenção, ter todo o interesse, legítimo, em se conhecerem as informações, mas pode haver casos - até para defesa dos cidadãos, para evitar que se transformem em gafos antes do tempo ou em cadáveres adiados - em relação aos quais seja recusada a informação.
Foram motivações deste género que me levaram a subscrever uma fórmula como esta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, compreendo que tenha de se fazer uma reflexão sobre esta matéria, de resto, nós próprios adiantámos algumas propostas, de que iremos seguidamente falar, e que procuram ter em conta aquilo que é o processo e a experiência de aplicação do artigo 35.° da Constituição. Esse artigo é seguramente um dos mais carregados de intenções de defesa dos cidadãos e é também, tristemente para todos nós, um dos mais distantes na sua efectivação. Digamos que a distância é tanto maior quanto, no artigo 35.º, o sol está no zénite e dificilmente se poderia imaginar uma tutela mais total que a que aqui vem prevista, na sequência, aliás, da própria revisão empreendida em 1981-1982, que introduziu neste artigo um conjunto de alterações que visavam aperfeiçoá-lo.
Creio que o rumo empreendido pelas coisas é bastante perverso e, neste momento, em Portugal, embora os cidadãos tenham amplos direitos quanto ao acesso ao esclarecimento, à contestação, à actualização e à própria rectificação - o que inclui o direito de eliminação de dados erróneos por alguma razão viciados -, o exercício desses direitos é magro, para não dizer ineficaz, e o panorama que caracteriza a nossa circunstância informática - para lhe chamar qualquer coisa - é marcado, por um lado, pela proliferação e a manutenção de registos de toda a espécie, sem nenhum controle, e, por outro lado, pela completa falta de transparência, pois, não só há abundantes registos, como, em relação aos tipos de dados recolhidos e tratados, quanto à natureza dos fluxos, quanto às formas de tratamento e quanto à identificação de responsabilidades, reinam um verdadeiro pandemónio. Quanto à própria determinação das qualidades de recolha, a especificação é nula, pois os dados são recolhidos para toda a espécie de finalidades sem especificação adequada e bastante e, quanto àquilo a que se chama a própria limitação de recolha, ela não acontece a título nenhum e os dados são recolhidos sem respeite pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade. A forma da sua utilização é uma incógnita e quanto às garantias de segurança, como se sabe, são mais que precárias para não dizer nulas, enquanto a responsabilidade é inexistente.
Por outro lado, sabemos que certas aplicações, designadamente aquelas que se desenvolvem no âmbito do Ministério da Justiça e aquelas que estão em preparação no quadro do anunciado plano de informatização do sistema judiciário, ou seja, no plano de actividades de 1988-1991 recentemente anunciado pelo Sr. Ministro da Justiça - sejam elas as já em curso, sejam as projectadas para este período -, envolvem toda a espécie de conexões, inter-conexões e fluxos entre serviços, com direitos de consulta e de utilização cruzados pelos diversos tipos de serviço e com possibilidades de cruzamento e tratamento integrado de informações, sem qualquer sistema ou aparelho de controle.
E se a isto somarmos que os serviços de informações são detentores de bancos de dados, com um regime especial, em implementação neste momento; e se tivermos ainda em atenção que o Serviço de Estrangeiros, há pouco mencionado, tem ele próprio o seu banco de dados, sem regime de fiscalização e de controle similar sequer ao instituído em palavras - e repito em palavras - na Lei dos Serviços de Informação e na Lei de Segurança Interna, então poderemos apercebermo-nos da gravidade que a frustração da aplicação do n.º 1 do artigo 35.° tem em Portugal.
A solução não é, seguramente, esvaziar o n.° 1 do artigo 35.° e creio que as vozes que se ergueram até agora neste debate foram precisamente ao arrepio dessa tendência. E mais: nós nem sequer encetámos, no terreno da lei ordinária, as necessárias tentativas de delimitação conceptual. Logo: os cidadãos que constilucionalmente têm todo o direito de acesso têm, na prática, um quase nulo direito de acesso. A lei ordinária inexiste, pois, como sabem, abortaram as diversas tentativas de regulamentação desta matéria e, por último, na passada legislatura, o Govêrno que entrou em funções ficou à espera -isto foi clarificado na sequência de uma pergunta do Grupo Parlamentar do PCP-, consoante se revelou, da revisão constitucional, para lançar mãos à obra na elaboração de uma lei ordinária.
Note-se ainda que as convenções internacionais respeitantes a esta matéria chegaram a ser assinadas, mas nunca