1 DE JUNHO DE 1988 403
habilidade, as suas teses, pelo que não lenho a dar-lhe outra resposta que não seja a de que as suas objecções serão objecto de reflexão e consideração.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que, nesta intervenção, foi visível, da parte do PSD, uma intenção de fazer concluir o debate por um non liquet simpático. Não posso deixar de lamentar, em nome da minha bancada, que para atingir esse objectivo tenha considerado necessário procurar estabelecer uma falsa e, de resto, bastante antipática clivagem não entre os conteúdos políticos mas aquilo que poderíamos qualificar como questões de "estilos políticos", isto é, de luvas e de punhos. É naturalmente uma questão respeitável, sempre numa óptica sibarítica, mas não me parece que a circunstância seja relevante. Creio que e preciso discutir com frontalidade o quadro que está criado e assim, penso, ninguém tem o direito de se sangrar em saúde ou desatar aos uivos e arrepios de susto, quando ouve uma crítica política frontal. Naturalmente, temos todos direito a lazer as objurgatórias que nos apeteçam, dentro das regras regimentais, e não, seguramente, fora delas ou contra cias. Isso pode provocar, em cada partido, um impacte maior ou menor, ou nenhum, o que é também uma forma de reagir. Em todo o caso, não se deve procurar, em meu entender, um escamoteamento do debate político em nome de questões de sensibilidade ou prurido, o que, segundo creio, é plenamente o caso.
E a questão que pretendia colocar é a seguinte: independentemente da agressividade ou da marca pessoal que cada um de nós queira ou seja capaz de deixar nos debates, independentemente de as caricaturas serem normalmente um mau estilo ou uma má metodologia (na medida em que permitem respostas fáceis, defesas fáceis e fugas rápidas, como creio que aconteceu um pouco), e independentemente de atingirem o alvo, penso ser impossível que o PSD faça este debate sem assumir frontalmente a realidade da comunicação social portuguesa neste momento. Há lobbies, o que não quer dizer que esta afirmação transforme o Sr. Deputado Rui Machete num serventuário dos lobbies, directo e encartado. Não foi isso que aqui se afirmou, não foi isso que aqui disse em nome do meu partido. O que disse foi que o legislador, neste caso na revisão constitucional, não pode ser insensível à necessidade de estabelecimento de determinadas cautelas.
Quanto ao mais, pode e deve travar-se um debate que tem um cunho fortemente ideológico. Não considero que se possa penalizar por excesso de "agressividade política" o facto de o Sr. Deputado Rui Macheie entender ser seu direito e dever fazer o elogio do "Estado mínimo" ou fazer uma crítica e um libelo ao Estado constitucional. Mas e legítimo e indispensável defender esse Estado constitucional! E era em relação à questão do Estado constitucional, tal qual o lemos, que gostaria, por um lado, de fazer uma observação e, por outro, de colocar uma interrogação.
Primeira observação, simples, e que, de resto, constitui a resposta que o PSD, de certa maneira, implicitamente, solicitava, não quanto à questão geral "nós, comunistas e o Estado", mas em relação ao concreto Estado democrático português e à luta que irávamos para que ele fosse edificado. É uma graça "simpática" - suponho que não passa disso - a afirmação - de que, entendendo o PCP que o Estado está ao serviço das classes dominantes, se deveria perguntar qual a razão por que defende um modelo em que o Estado terá um papel preponderante. A resposta simples, óbvia e elementar, está nos artigos 38.º e 39.º da Constituição: porque no Estado democrático português, pelo qual nos batemos, o Estado, no domínio da comunicação social, tem deveres e obrigações de garantia da objectividade, do pluralismo, do rigor, da participação e da igualdade de tratamento das diversas correntes de opinião existentes na sociedade!
Naturalmente, esse Estado não é propriedade do partido do Governo, o que, na óptica do PSD, é um grandíssimo defeito. Eu compreendo. O Estado não se identifica sequer com o Primeiro-Ministro existente numa determinada data ou com o presidente da Comissão da Revisão Constitucional ou com os membros que vão às cimeiras do PSD, e por aí adiante. Mas o Estado não é isso. É, sim, uma realidade plural, refractada, que tem em conta a própria realidade política, partidária. Suponho, portanto, que o próprio Sr. Deputado Rui Macheie não linha a aspiração de ler agora um debate aprofundado sobre "o Estado e a revolução no terceiro milénio", ou sequer sobre os últimos desenvolvimentos das concepções e elocubrações do PCP sobre a problemática do Estado e da revolução, no presente momento e na presente etapa, antes e depois do 19 de Julho. É seguramente um tema apaixonante, que nos coloca frente à questão da tomada do Estado por um partido e de uma tentativa bastante visível e escabujante de "mexicanização" do sistema. Mas, suponho que não era esse o tema que o alertava. E gostaria apenas de sinalizar que considero improfícua a tentativa de induzir fenómenos de marginalização em debate político, através do recurso a argumentos ad terrorem, como aquele que o Sr. Deputado Rui Macheie utilizou relativamente à postura do PCP nesta discussão.
Quanto à pergunta que pretendia fazer, incide concretamente sobre as virtualidades da "Constituição lacónica". O Sr. Deputado Rui Macheie disse, em meigo e em arrulhado, aquilo que o Sr. Deputado Costa Andrade linha dito sem grande jeito e aquilo que, ontem, a Sra. Deputada Assunção Esteves, bastante veementemente, mas sem argumento visível, linha adianiado. Isto e, às perguntas fulcrais: "PSD, embargas ou não embargas as tuas obras no terreno, quanto à Lei da Rádio e outras malfeitorias?" Silêncio completo. Podem alegar que não têm mandato, podem alegar que têm de ir perguntar ao Primeiro-Ministro, o que o perfeitamente lógico, pois é o chefe do PSD. Mas a questão é que este debate é inconcludente por isso e não por causa da posição em relação ao Estado ou pela questão de saber se o Estado e ou não capaz de assegurar o pluralismo ou, como há pouco dizia o Sr. Deputado Rui Machete, se o Estado tem "pulsõcs liberticidas incontroláveis". Os senhores sabem! Os senhores têm todos os dias essas pulsões liberticidas. Portanto, isso é verdadeiramente uma confissão psicodramática, mas pouco comovente.
Mas é vossa, não é nossa nem é do Estado. Imputem ao PSD a pulsão e o drama liberticida. Agora, imputar isso ao Estado como mal eterno parece-me francamente abusivo, e pode-se referi-lo com jeito e trejeito, mas certamente sem grande eficácia.
Portanto, Sr. Presidente, a opção é clara: ou a Constituição, tal qual VV. Exas. a imaginam - não a actual Constituição da República -, e a lei ordinária sairiam desta Assembleia mudas e de cera em função da vossa vontade; ou o Constituição seria, no vosso entender, alterada neste ponio, mas acompanhada simultânea, faseada e concatenadamente de uma nutrição de legislação materialmente rica e densa para a definição do estatuto dos órgãos de comunicação social. Em que ficamos? Sem a resposta a isto é evidente que V. Exa., Sr. Presidente, poderá fazer observações e intervenções extremamente doces, melífluas, mas serão completamente ineficazes e, digo mesmo, confrangedoras do ponto de vista político.