1 DE JUNHO DE 1988 407
dar menos significado à minha alocução. Por isso, se o Sr. Deputado Herculano Pombo não me leva a mal, gostaria de manter a minha decisão de usar da palavra.
O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, inscrevi-me para intervir a propósito de uma afirmação produzida pelo Sr. Deputado José Magalhães aquando de um diálogo interessante com o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Deputado José Magalhães afirmou nessa altura - e passo a citar: "A proposta de alteração apresentada pelo PS está, neste momento, pendurada, o que nos deixa naturalmente ao PCPJ extremamente confortados." Julgo, pois, que esta afirmação é curiosa e deve ser meditada por aqueles que tiverem realmente uma predisposição seria em conseguir uma revisão constitucional efectiva.
Ora, salta à vista a partir das propostas do PS, em sede de revisão constitucional, que temos uma atitude crítica relativamente ao modelo constitucional adoptado nos artigos respeitantes à comunicação social. A experiência passada ajuda-nos a compreender que algumas das soluções tentadas foram, porventura, soluções logradas. Entretanto, gostaria de explicitar melhor este meu ponto de vista.
Assim, em primeiro lugar, temos a questão do sector público. Há pouco o Sr. Deputado Almeida Santos lembrou-nos de novo um conjunto de circunstâncias historicamente prementes que conduziram à existência do sector público da comunicação social, tal como ele hoje ainda se encontra. Portanto, não vou reportar-me a esse condicionalismo histórico, mas tão-só à circunstância feliz de o PS e o PSD convergirem ao menos num ponto, ou seja, o de admitirem a necessidade de um serviço público no domínio da televisão e da rádio. Basta então que esta convergência se registe para se suscitar nesta matéria um problema. De facto, quem admite um serviço público em órgãos de comunicação social com tal impacte tende a ser obrigado a garantir não só princípios de qualidade como também de efectiva objectividade e pluralismo. E digo isto desde logo porque esses órgãos têm uma cobertura noticiosa geral e, pela sua natureza, uma forte influência junto das populações, tanto mais que estas têm graus relativamente preocupantes de aculturação, na medida em que o acesso a outro tipo de órgãos de comunicação social, designadamente os escritos, como está demonstrado, é bastante débil na sociedade portuguesa, o que não ajuda à estruturação de uma opinião pública suficientemente forte e coloca-a, por consequência, na dependência desses meios de comunicação social, como são os da televisão e da rádio. Portanto, essa a razão pela qual o serviço público não pode prescindir de garantir esses princípios.
Ora, sucede que quando o PSD admite constitucionalmente consagrar o serviço público propõe simultaneamente que seja descontitucionalizado o Conselho de Comunicação Social, ou seja, que passasse a inexistir qualquer tipo de órgão que velasse pela garantia destes princípios essências. Face à inexistência de um órgão com estas atribuições, evidentemente que a única entidade com competência seria a tutela governamental, no exercício da função administrativa.
Entretanto, para o PSD, que, designadamente pela voz autorizada do Sr. Deputado Rui Macheie, entende que não deve haver uma presunção de que aquilo que o Estado faz faz bem, muito menos é forçoso que exista a presunção de que aquilo que a Administração Pública, directamente tutelada pelo Governo, faz faz bem. E a nossa experiência em matéria de comunicação social demonstra-nos que até faz bastante mal. Daí que seja inconsequente da parte do PSD, segundo penso, que, por um lado, deseje constitucionalizar o serviço público e, por outro, não cuide de garantir um órgão que salvaguarde, em condições de independência, princípios essenciais desse serviço público e deixe tudo nas mãos e na estrita dependência governamental. Se há, afinal, uma vocação estatizante no pior sentido, ela é revelada pelo próprio PSD e não, seguramente, pelo PS. Diria, portanto, que se há alguma atitude liberal que se possa reivindicar dessa qualidade cultural é a do PS e não a do PSD. Em segundo lugar, gostaria de chamar a atenção do PSD ...
O Sr. Presidente: - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Faça favor, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, penso que há um equívoco nas suas palavras que penso que talvez seja um pouco fruto da cunha que o PCP tentou estabelecer entre o PSD e o PS. O equívoco prende-se, de facto, com a circunstância de, na nossa ideia, esses poderes não serem reganhos pela Administração Pública em termos de ela suceder na posição que tem actualmente o Conselho de Comunicação Social. Acontece, pois, que a ideia é diversa, ou seja, esses poderes não vão ser exercidos por ninguém. E digo isto com abertura, porque admito que a posição do PSD possa ser reponderada. Refiro-me ao facto de a ideia base não se traduzir na existência de uma tutela, porque isso seria pior. E, neste aspecto, o Sr. Deputado Jorge Lacão teria então toda a razão.
Portanto, a ideia não é o deixar de existir uma tutela exercida pelo Conselho de Comunicação Social para passar a haver uma outra desempenhada pela Administração Pública. Ao invés, o que reganha liberdade é a esfera da sociedade.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Admito, Sr. Presidente, que a intenção do PSD seja essa que V. Exa. acabou de referir. No entanto, isso só me permite salientar ainda mais alguma contradição entre o que é a ideia sustentada pelo Sr. Presidente e a proposta sobre essa matéria apresentada pelo PSD.
Ora, quando discutimos o problema do direito dos jornalistas, ainda no quadro do artigo 38.º e logo nos primeiros números, o princípio restritivo do direito dos jornalistas em órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado manteve-se intocado na proposta do PSD, o que significa que se este partido deseja eliminar as atribuições do actual Conselho de Comunicação Social, mantendo o princípio da restrição de direitos aos jornalistas que trabalhem no sector público, então a pergunta é inevitável e a resposta do PSD não é consequente. Deste modo, a questão é a seguinte: quem é que nessa circunstância vela pela objectividade, pelo rigor e pelo pluralismo?
Dir-se-á que não são os jornalistas, porque têm os seus direitos restritos. Um órgão independente não o é, também, porque o PSD não o propõe e deseja, de resto, aniquilá-lo. Logo, resta só a tutela através da competência que mantém de nomear as respectivas administrações desses órgãos de comunicação social, debilitando, ainda por cima, o direito interno dos profissionais de comunicação social no âmbito desses órgãos de informação. Penso, pois, que o PSD poderá corrigir esta questão a tempo, mas desta contradição não se livra.