410 II SÉRIE - NÚMERO 14-RC
O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Srs. Deputados, está reaberta a reunião.
Eram 15 horas e 50 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria apenas de fazer uma observação, não com a pretensão de fazer o nosso balanço deste debate, porque creio que isso não será neste momento exequível, mas unicamente para, na sequência de algumas das observações feitas pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, poder esclarecer dois ou três aspectos.
Em primeiro lugar, gostaria de dizer que nós, provavelmente, não correremos o risco de ter de trazer para aqui um "confortómetro" para podermos medir o conforto de cada um depois destes debates. No entanto, creio que o PS, ou pelo menos o Sr. Deputado Jorge Lacão, incorreu num equívoco quando interpretou, como interpretou, uma afirmação produzida por mim esta manhã. É que, quando, face a uma pergunta do Sr. Deputado Nogueira de Brito e descrevendo aquilo que me parecia ser a súmula do debate e as suas conclusões, referi que estava numa posição "confortada" queria tão-só sublinhar que o posicionamento do PS e o do PSD nesta matéria me parecia ter não só alguns pontos de convergência como alguns pontos de divergência inextricáveis e tratei apenas de sublinhar esses pontos e de, por outro lado, lazer um reexame daquilo que me parecem ser as virtualidades do modelo de áudio-visuais contido na Constituição, alertando, simultaneamente, para alguns riscos de certas formas de mudança. Naturalmente não as anatemizei a todas, mas impressionou-me, particularmente, que o Sr. Deputado Jorge Lacão, ao fazer o balanço dos pontos de convergência e de divergência, estabelecesse alguns pontos de convergência que me parecem puramente falazes e ilusórios. Pode-se sempre dizer que temos, desta matéria, a visão do tal homem que olha para a garrafa que tem água até metade, mas, enquanto o Sr. Deputado Jorge Lacão se congratula com o lacto de ela estar ainda meio cheia, eu assinalei o facto de estar meio vazia. Não deixa de ser revelador!
Creio, no entanto, não ser só esse o problema porque os pontos de divergência que foram assinalados - e c esse o lema de reflexão com que partiremos para o exame dos artigos seguintes - são da maior gravidade e quase inextricáveis. O PS e o PSD admitem um serviço público na rádio e na televisão, mas, desde logo, o PSD não admite a existência de um serviço público no âmbito jornalístico, colocando - com um certo desconhecimento do terreno da parte de alguns dos arguintes, embora com um conhecimento razoável do mesmo, mas um tanto gulosamente ocultado por parte dos outros - questões um tanto mirabolantes sobre o que pudesse ser um serviço, cie. Tudo isto são coisas muito fáceis de dirimir quando existe vontade de cumprir a própria Constituição em termos cabais. Quanto à coincidência, é ilusória pelo menos numa parte, porque na outra parte e, quanto a nós, arriscada.
Por outro lado, o PSD quer mesmo extinguir o Conselho de Comunicação Social! Isto é, na "galáxia PSD" não há fiscalização, havendo, pura e simplesmente, o domínio do mercado numa óptica desintervencionista, desregulamentadora e liberal, e o grande drama ou o grande problema político é que, nesse modelo, também os direitos dos jornalistas são fortemente restringidos -embora no modelo aventado pelo PS esses direitos existam, segundo cremos -, não existindo controles. Ora, "o maior controle e não haver controle" e "a maior defesa para a liberdade e não haver intervenção do Estado" - suscentou o Sr. Deputado Rui Machete -, o que e clássico e não traz nenhuma novidade (e acho estranho que se considere desconstrutivo assinalar o que estou a assinalar!).
Mais ainda: acho estranho que o Sr. Deputado Jorge Lacão diga que o PCP ficará gradualmente mais desconfortado porque o PS não desistirá de mudar o modelo constitucional. É que, se mudar o modelo constitucional e fazer aquilo que o PSD pretende -c o PSD não está disponível para mais nada -, então nós poderemos ficar gradualmente desconfortados, mas VV. Exas. serão uns ricos negociadores, porque forçarão os jornalistas, desde logo, a deixarem de ter determinados direitos e aceitarão uma forma de desregulamentação ou de desconstitucionalização sem barreiras e sem cláusulas de salvaguarda, o que significa a mesma coisa que abrir uma barragem. Para provocar um desastre.
Devo dizer que o nosso objectivo fulcral é o de que não aconteça o esvaziamento das virtualidades basilares da arquitectura constitucional neste domínio, mas, perante a opção colocada, o PS respondeu de várias maneiras durante esta manhã, maneiras essas bastante plurais. Ora, seria gravíssimo o PS enveredar por qualquer dessas vias plurais, mas. sobretudo, enveredar pelo caminho que o Sr. Deputado Jorge Lacão aqui acentuou como sendo o mais favorável a pôr o desconforiómetro em níveis muito elevados para o PCP - o que, devo dizer, seria uma lamentável honra se o resultado fosse aquele que V. Exa. deixou antever, que e péssimo. Seria abrir uma barragem sem canalizar as águas para o bom leito, o que é a pretensão máxima do PSD, como aqui ficou absolutamente provado! Então esta discussão faz-se toda sob a "síndrome de Vilarinho das Furnas", isto é, inundação sem garantia, e o Sr. Deputado Jorge Lacão não faz a trasfega nem salvaguarda coisa nenhuma.
Se entendem que isto é realmente uma forma de nos desconfortar, devo dizer que não nos desconfortam em nada. Ficaríamos muito penalizados e consideraríamos muito grave essa cedência do ponto de vista democrático e do ponto de vista do funcionamento de um dos tais elementos estruturantes do Estado democrático a que o Sr. Deputado António Vitorino ontem, com tanta argúcia, aludia. Cedência sem nenhuma eficácia e sem nenhum impacte, uma vez que tudo se salda no resultado, bastante modesto - para não dizer desastroso -, que vem enunciado na intervenção do Sr. Deputado Jorge Lacão. E não poderão VV. Exas. reclamar-se de ter feito oposição eficaz às leis de amordaçamento da comunicação social ou de desmantelamento do sector público da mesma comunicação social, fazendo vantagem ou entrando numa espécie de competição de coerência com o PCP - ou com qualquer outro partido - em matéria de combate à ilegalidade e à inconstitucional idade.
Lamento que sejam feitas observações desse tipo e parece-me bem que o saldo deste debate é preocupante num duplo aspecto: pelo grau de exigências feitas pelo PSD, isto é, pela sua completa indisponibilidade para considerar qualquer solução que não seja o desmantelamento do sector público e, por outro lado, pela afirmação - que me parece um tanto flébil e completamente suicidaria do ponto de vista negociai - de que o PS vai até ao fim, aceitando tudo, isto é, que "não desistirá de mudar o modelo constitucional", mesmo quando o PSD insiste em fazer, no terreno, a tal "política do camartelo". Ora, face ao camartelo, não há só impotência, mas aceitação, e isso parece-me bastante mais preocupante. Pela nossa parte, vamos reflectir muito seriamente em todos estes aspectos e o PS, seguramente, também.